Na semana em que o ensino presencial é retomado, importa sinalizar a polarização que se assistiu em torno da vacinação pediátrica e a oscilação brusca da DGS sobre o funcionamento escolar.
Quanto à vacinação pediátrica, destaco a adesão massiva dos pais. Terminado o primeiro fim de semana de vacinação das crianças entre os 5 e 11 anos, mais de 200 mil receberam a primeira inoculação. O sinal de elevada confiança dos pais foi importante perante a excessiva polarização do debate entre médicos. As vozes críticas – sérias na maioria dos casos – pareceram ignorar a evidência quanto à segurança das vacinas, ao papel da vacinação das crianças no retomar da normalidade, à posição das principais organizações mundiais e à experiência acumulada noutros países. Uma coisa são as legítimas opiniões clínicas individuais, outra são as posições institucionais e estas foram consensuais quanto à vacinação pediátrica.
O ponto de discórdia é as implicações clínicas da Covid-19 entre os mais novos. Sabe-se, sem qualquer dúvida, que em termos absolutos são as pessoas mais velhas e com outras doenças as que mais sofrem com este vírus. Mas isso não nega o peso relativo desta doença no conjunto das doenças pediátricas. Em 2021, nos EUA e no Brasil, a mortalidade específica por Covid-19 já entrou no top 10 das causas de morte infantil. Acrescem os efeitos de longa duração da Covid-19 nas crianças. Vários estudos têm apontado que a “long-covid” não está relacionada com a severidade da infeção. Logo, infeções ligeiras e moderadas, típicas nas crianças, podem conduzir a este quadro clínico. Recordo: para contrapor estes argumentos, as estatísticas que interessam são as que comparam a Covid-19 com as demais doenças infantis.
Quanto à alteração da norma da DGS que define os contactos de alto risco e os procedimentos de isolamento e rastreio, não havia de que era necessária: o absentismo, a incapacidade de resposta das equipas de saúde pública e de medicina geral e familiar, o menor período de infecciosidade, a elevada cobertura vacinal e uma discricionariedade dos delegados de saúde difícil de gerir.
As medidas que estarão em vigor nas escolas portuguesas parecem adequadas e proporcionais à situação epidemiológica, sobretudo no caso das crianças e jovens entre os 12-17 anos. Esta faixa etária está amplamente protegida com a vacinação completa, utiliza máscara e consegue manter o distanciamento social. As dúvidas colocam-se nas crianças entre os 0-4 anos (não-elegíveis para a vacinação) e os 5-11 anos (que só completam a vacinação em março). A uns e a outros aplicam-se as mesmas regras de testagem aplicáveis à população vacinada.
Nas próximas semanas espera-se um aumento indeterminado de infeções (indeterminado pela rápida transmissão da Ómicron, incerteza sobre o reporte dos autotestes e dada a já elevada proporção de positividade dos testes realizados). Sem surpresa a infeção entrará nas escolas. O que é difícil antever é a evolução da pressão nos cuidados de saúde, também em pediatria.
Sabemos o quanto a presença das crianças na escola é fundamental do ponto de vista pedagógico, psico-motor, cognitivo, de sociabilidades, de esbatimento de desigualdades sociais e de monitorização de casos de vulnerabilidade.
Contudo, aplicar as mesmas regras de testagem independentemente do estado vacinal suscita várias dúvidas: contraria as orientações do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças e da Organização Mundial de Saúde; entra em contradição com a definição de risco elevado de exposição apresentado na mesma norma da DGS (anexo 4); não é acompanhada por fundamentação académica; contraria o que a Diretora-Geral da Saúde anunciou na semana anterior; faz tábua rasa do princípio até agora em vigor de que a resposta imunitária ganha robustez após 14 dias da conclusão do esquema vacinal.
A posição da DGS oscilou de forma demasiado brusca enquanto não atingimos o pico desta vaga e o ponto máximo de procura por cuidados de saúde. Posições intermédias diziam respeito a outras estratégias de testagem perante contactos de risco em salas de aula para as crianças até aos 11 anos, sempre com o princípio de “testar para não isolar”.