Património cultural: “Algo não bate certo”
No momento da entrada em funcionamento das novas disposições legais sobre a gestão pública do património cultural português, na sua tríplice dimensão (imóvel, móvel e imaterial), o artigo de opinião assinado por Jacinta Bugalhão (PÚBLICO de quarta-feira) não pode deixar indiferente quem se preocupa com o tema. Conhecendo bem os problemas e as instituições, Jacinta Bugalhão enumera, de forma serena, mas acutilante, as falhas de uma reforma ditada por uma atitude voluntarista, pragmática, que introduz muitas mudanças, mas não garante uma sólida reestruturação do modelo anterior.
Sem enunciado de uma política patrimonial consistente, sem avaliação exaustiva e coerentemente crítica de experiências anteriores, acentua-se a arbitrariedade na classificação e tutela de museus e monumentos, forçando o caminho para mal definida regionalização e muito discutível descentralização de competências.
Adília Alarcão, Coimbra
2024: o ano que une Abril a Camões
Por muito aziaga que se afigure a antevisão de 2024, devemos registar, desde já, duas efemérides susceptíveis de afagar o ego nacional: o cinquentenário de Abril — e os quinhentos anos (e mais um, quiçá) do nascimento de Camões. Desta álacre coincidência cósmica, que convém inferir? Transcende certamente as manchetes e a espuma das redes sociais o destino de Portugal. Em vários momentos da nossa História, quando os bloqueios do desenvolvimento pareciam ganhar a figura de adamastores, foi possível ultrapassá‑los. De igual modo, neste estertor mediático de uma democracia à míngua de boas notícias, haja esperança de que o país seja capaz de transformar adversidades em oportunidades. Até 10 de Março, pelo menos, haverá tempo para usufruir deste desejo (ingénuo?) de mandar às malvas a “apagada e vil tristeza” dos dias que correm.
Eurico de Carvalho, Vila do Conde
O teatro político nacional
Enquanto o período de esclarecimento eleitoral se esvai célere e sem dó a caminho do seu término, as 24h00 de 8 de Março, o sentimento de desilusão, descrédito e desconfiança que grassa no eleitorado cresce. As explicações dúbias sobre uma sucessão infinda de casos polémicos, dadas pela classe política, carecem de substância e solidez, e, o que é pior, estão a fatigar e a desanimar os eleitores. A troca quase quotidiana de epítetos que raiam a linha do insulto, como “gonçalvista” e “Cinderela do BE” e expressões repetidas dez vezes (!), como “bandalheira”, em nada dignificam a política, espezinham-na, rebaixam-na para uma vulgaridade bem reles e vil.
Num dia, Montenegro brande um volumoso dossier no intuito de pôr fim à polémica sobre os benefícios fiscais de que terá usufruído indevidamente, referentes à sua luxuosa moradia de seis andares, oito casas de banho e garagem para quatro viaturas; noutro, Pedro Nuno Santos escafede-se apressadamente pela sinuosidade dos corredores da AR, perseguido por jornalistas incómodos que trata de forma desabrida, e a quem dá contrariado explicações sumárias, alvitrando um desconhecimento que não convence; e no dia seguinte, vendo que não resultou, o mesmo Nuno Santos, no mesmo estilo de Montenegro, marca uma frugal conferência de imprensa, tentando desenvencilhar-se com explicações contraditórias sobre o caso das acções dos CTT, num acesso de memória que não tinha tido no dia anterior. Não tardaram dois minutos e Costa entra em campo, tentando rematar de vez o assunto, desfazendo-se em copiosas explicações, e com um semblante mascarado de uma falsa bonomia há muito estudada, que pôs desde que é primeiro-ministro cessante. O teatro político continuará, ao invés da apresentação de programas capazes de resolver os problemas do país.
Emanuel Fernandes, Mirandela
Morte de Rui Mingas
A República de Angola acaba de perder uma das suas já raríssimas figuras de referência, o multifacetado Rui Mingas, que morreu em Lisboa na quinta-feira. Nascido em Maio de 1939, em Luanda, Rui Mingas destacou-se no desporto, na música, na diplomacia (embaixador em Portugal) e, ultimamente, como reitor da Universidade Lusíada, na sua cidade natal. Rui Mingas veio, muito jovem, para Portugal, e logo se tornou popular como atleta do Sport Lisboa e Benfica. Ele foi o rei absoluto no salto em altura e nos 110 metros barreiras, herdando assim o facho empunhado por Guilherme Espírito Santo na década de 1940. Rui Mingas (música) e Manuel Rui Monteiro (letra) foram os autores do hino nacional de Angola, um país agora sem norte e à mercê da corrupção e de intrigas disputais na esfera do poder.
Luís Alberto Ferreira, Oeiras