OS FACTOS

Existem hoje cerca de 800 mil estrangeiros a residir em Portugal com enquadramento legal, um número que tem vindo a crescer com maior intensidade desde 2016. Entre as principais nacionalidades representadas no país, encontram-se a brasileira (29,3%), inglesa (6%) e Cabo-Verde (4,9%), mas também, a meio da tabela, romena (4,1%) e ucraniana (3,9%). Nepal e Bangladesh são também nações que aparecem no top 10, respetivamente com 3,1% e 1,6%.

Ainda assim, Portugal continua a estar entre os países da União Europeia (UE) com menor proporção de estrangeiros, ocupando o 10º lugar entre os 27 Estados-membros. À frente da lista estão o Luxemburgo (47%) e Malta (21%).

Segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), são hoje mais de 180 mil os estudantes com nacionalidade estrangeira no sistema educativo português. Aliás, no final de julho, o Ministério da Educação indicava existirem 13,4% de crianças estrangeiras no pré-escolar e 17,9% no 1º ciclo.

Ao nível do emprego e do empreendedorismo, o Observatório das Migrações (OM) diz, no seu relatório estatístico para 2023, que o trabalho por conta própria aumentou entre os estrangeiros, ao contrário do que se passou com os nacionais. “Globalmente (…), o trabalho por conta própria aumentou de forma expressiva entre os estrangeiros, quando decresceu para os nacionais: entre 2011 e 2021 o número de trabalhadores por conta própria diminuiu (-8,1%, de 25,6 milhões passaram a 23,5 milhões), quando aumentou no caso dos estrangeiros (+30%, de 1,3 milhões passaram a 1,7 milhões)”, lê-se no documento.

dos alunos inscritos no 1º ciclo eram, no final de julho, estrangeiros. A média nacional era de 8% no ano letivo 2020/2021

Diz ainda o OM que “Portugal está entre os Estados-membros da UE27 onde os estrangeiros extracomunitários apresentam taxas de empreendedorismo mais elevadas (15,5% em 2022), ocupando a quarta posição”. Quem chega ao país vindo de fora da UE apresenta taxas de empreendedorismo 2,2 pontos percentuais acima dos nacionais, mas 4,1 pontos percentuais abaixo da taxa verificada entre os estrangeiros com origem comunitária.

COMO CHEGÁMOS AQUI

Portugal é um país tradicionalmente multicultural, como aliás demonstra a sua história ao longo dos últimos 900 anos. A cultura que hoje consideramos ser portuguesa é, na verdade, resultado de um processo longo e dinâmico de absorção de hábitos e palavras originalmente de outros povos.

Um exemplo prático é a influência árabe na língua portuguesa e na toponímia: palavras como açúcar, azeitona ou azulejo são disso exemplo, tal como o são nomes de cidades como Almada ou de regiões como o Algarve. Mas também no prato se continuam a fazer sentir essas misturas culturais, nomeadamente com opções como açorda, migas ou ensopado de borrego.

Nos tempos mais recentes, porém, o especialista em migrações Pedro Góis considera que Portugal tem conseguido, “por inércia, integrar na cultura portuguesa aquilo que os imigrantes trazem” – em especial, os imigrantes do Brasil ou dos PALOP. “Veja-se o que é, ao nível da música, o samba ou a morna ou até a escrita de vários autores lusófonos”, exemplifica o também professor e investigador da Universidade de Coimbra.

De facto, basta percorrer as festas populares de verão por esse país fora para encontrar, com grande facilidade, arraiais com música popular brasileira ou com sonoridades brasileiras adaptadas ao gosto nacional. O mesmo não acontece ainda, com a mesma facilidade, com imigrantes de outras origens, como sejam aqueles vindos da Índia, do Bangladesh, do Nepal ou do Paquistão. “Já nos habituámos a ter presença na gastronomia de restaurantes com muitas origens, mas ainda não ouvimos música do Nepal. Ainda temos pouco contacto com o cinema indiano ou com a cultura chinesa. Há aqui um contraste entre aquilo que nos é próximo, que se vai integrando por inércia, e aquilo que é mais longínquo, que não tem tido o impacto que poderia”, aponta o perito.

Esse processo é inevitável, mas é também desejável, já que enriquece culturalmente a sociedade portuguesa, enquanto facilita o processo de integração de novos povos. “Temos de pensar que a cultura portuguesa não é estática, é dinâmica, ela evolui e incorpora novas dimensões”, diz Pedro Góis.

“Desta vez estamos a ver, em vez de irmos nós à procura do mundo, o mundo a chegar. É talvez uma novidade maior, porque não estávamos habituados a que acontecesse com tão grandes números. Mas é uma oportunidade”, aponta o investigador Pedro Góis

Para que esta comunicação entre culturas aconteça, é preciso melhorar os processos de integração de quem chega a Portugal e esse caminho começa, muitas vezes, na escola. Com milhares de alunos estrangeiros a frequentar as escolas portuguesas, a sala de aula assume um papel preponderante na aprendizagem da língua, mas também na promoção do contacto multicultural. “Claro que há um caminho grande a fazer em termos de integração, acho que acima de tudo nas escolas. Nestes últimos dois anos tem havido mais gente e a escola e as pessoas que lá trabalham têm de ter formação para isto”, afirma Filipa Martins Bolotinha, presidente da Associação Renovar a Mouraria.

A instituição, dedicada à promoção do bairro típico e à sua valorização cultural, tem vários programas e projetos de apoio à integração de migrantes, além de iniciativas dirigidas às escolas locais. “Tentamos ter alguma resposta junto das escolas. O maior esforço que as escolas fazem é conseguir, de forma eficiente, ultrapassar a questão da língua. Assim que os alunos começam a falar português já têm todas as ferramentas para conviver com os seus colegas”, explica.

PARA ONDE CAMINHAMOS

Apesar dos benefícios evidentes da imigração em Portugal – ao nível do emprego e da demografia, como já vimos aqui -, há ainda desafios que persistem e que importa resolver. Desde logo, no processo de integração de quem chega a Portugal com intenção de aqui viver e trabalhar. Para os peritos ouvidos pelo Expresso, um dos principais obstáculos é administrativo: os pedidos de autorização de residência continuam a demorar muito tempo e a renovação de autorizações arrasta-se no tempo e deixa muitos imigrantes num limbo jurídico com consequências em termos de empregabilidade e condições de vida. “É preciso melhorar a resposta administrativa, porque as pessoas com os seus documentos conseguem arranjar emprego, e, por outro lado, garantir trabalho digno. É preciso haver fiscalização aos sectores que empregam estas pessoas, não pode ser como acontece agora na agricultura ou no turismo”, sugere Filipa Martins Bolotinha.

Para Pedro Góis, no entanto, há uma questão absolutamente central: evitar a criação de guetos. “Um dos erros que não podemos cometer é colocar estas comunidades em guetos. E, de alguma forma, arrisco-me a dizer que esse processo está já a caminho em algumas zonas das nossas cidades e algumas regiões do nosso país. Isso é o que não pode acontecer”, lamenta o investigador. É preciso, defende, “construir com eles e não contra eles”.

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