OS FACTOS

“Portugal continental é considerado um hotspot para as alterações climáticas”, enquadra o especialista Pedro Matos Soares. O professor e investigador do Instituto D. Luís, da Universidade de Lisboa, alerta para a realidade demonstrada pelos números: por cada grau de aquecimento global, Portugal aquece a um ritmo de 1,2 graus.

Depois de ter sido o primeiro a comprometer-se a atingir a neutralidade carbónica até 2050, o país antecipou o prazo em cinco anos. Significa isto que faltam 21 anos até à meta definida pelo governo.

Ao longo das últimas décadas, o território nacional tem sofrido ondas de calor cada vez com mais frequência e com consequências para a saúde das pessoas e para a economia. Na “mega onda de calor” de 2003 registou-se um excesso de mortalidade de cerca de 2.700 pessoas, valor que atingiu 70 mil em toda a Europa.

Mais recentemente, em 2022, o país voltou a enfrentar elevadas temperaturas e foi, entre os congéneres europeus, uma das nações que registou maiores taxas de mortalidade relacionadas com o calor: 2.212 mortes em Portugal e 61 mil na Europa.

é a meta definida pelo governo português para o país atingir a neutralidade carbónica, um prazo cinco anos antes do objetivo estabelecido na União Europeia

Para responder aos desafios das alterações climáticas, o governo reviu, em 2023, o Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030) e antecipou várias das metas anteriormente definidas – além de prever atingir a neutralidade carbónica em 2045, o Estado quer ter, já em 2026, 80% de toda a energia com origem renovável e mantém o foco na redução das emissões de gases com efeito de estufa em 55% até ao final da década.

COMO CHEGÁMOS AQUI

A deterioração do clima não é uma novidade, embora os últimos anos tenham deixado clara a necessidade de desenhar uma estratégia nacional ambiciosa para que seja possível cumprir as metas nacionais e internacionais. Os especialistas querem evitar a subida média da temperatura global para lá de 1,5 graus, como previsto no Acordo de Paris, ainda que muitos ambientalistas e peritos no clima considerem difícil alcançar esse objetivo com o atual rumo.

“O clima demora muito tempo a mudar. Quase de certeza que, ao longo dos próximos anos, vamos ter um agravar deste aumento de temperatura e que, infelizmente, está prestes a chegar a 1,5 graus em relação à era pré-industrial”, explica Francisco Ferreira, presidente da associação Zero.

A perspetiva é partilhada por Pedro Matos Soares, que lembra que, enquanto território, “estamos num processo de aquecimento que tem provocado um aumento da frequência das ondas de calor e dos extremos de temperatura”. E é fácil perceber a dimensão desse aumento: historicamente, até ao final do século XX Portugal tinha “uma a duas ondas de calor por ano”, mas até ao final deste século o número poderá subir para 10 por ano. “Isto tem repercussões muito preocupantes do ponto de vista de saúde pública. Os idosos e as crianças são extremamente vulneráveis”, afirma o investigador.

“Temos de ter uma visão muito mais integrada dos nossos recursos. É muito importante ter essa visão e não temos”, afirma Pedro Matos Soares

Nestes períodos de intenso calor, os casos de desidratação tendem a aumentar e estão comprovadamente ligados ao aumento da “morbilidade e também da mortalidade”. Tudo isto é “economicamente contabilizado”, sublinha Pedro Matos Soares, lembrando o impacto das ondas de calor no crescimento das hospitalizações, do agravar de doenças crónicas e de mortes que, em última análise, têm impacto negativo na economia nacional.

Em simultâneo, a produtividade pode ser prejudicada, nomeadamente nos sectores da agricultura e do turismo. Aliás, a ‘galinha dos ovos de ouro’ de Portugal – que representa cerca de 20% do PIB – pode sofrer com “perdas de procura turística”. “Quem é que quer ir fazer turismo para o interior de Portugal com 45 ou 50 graus?”, questiona o perito.

A par do aumento da temperatura, também a redução da precipitação anual e, como consequência, a escassez de água é um problema sério para o país. “A escassez de água e a seca têm sido temas recorrentes nos últimos anos, em especial no Sul do país. Em 2022, várias barragens do Minho estavam abaixo dos 40% de armazenamento”, acrescenta. Porém, este cenário é “muito mais complexo” a Sul, já que “várias barragens já não enchem há vários anos”.

PARA ONDE CAMINHAMOS

O futuro depende “imenso de como é que a sociedade vai evoluir do ponto de vista de emissões de gases com efeito de estufa”, garante Pedro Matos Soares. O especialista, que foi também o coordenador do Roteiro Nacional para a Adaptação, diz mesmo que, no melhor cenário, Portugal pode perder um quinto da água disponível até ao final deste século.

A prioridade deve ser, defende, a alteração da forma como o país gere os seus recursos naturais, em particular a água, e a implementação de medidas concretas e eficazes para a mitigação das consequências climáticas. Matos Soares acredita que Portugal está a fazer um bom trabalho na redução de emissões, mas relembra que o território é “um pequeno contribuinte” a nível mundial e isso significa que o futuro não está apenas “nas nossas mãos”. Ainda assim, sublinha, “temos essa obrigação moral”.

Acabar com as perdas de água na distribuição é essencial. Segundo os peritos, Portugal perde cerca de 30% da água na redistribuição agrícola, além das perdas registadas nas redes municipais, uma realidade difícil de compreender perante a ameaça climática. “O mundo em 2030 provavelmente será um mundo com maiores problemas por causa das consequências das alterações climáticas”, lamenta o ambientalista Francisco Ferreira.

Fuente