A ideia de um Ocidente “colonialista”, determinado a criar “divisão”, sempre esteve presente nas exposições de Vladimir Putin, mas, desta vez, o risco de guerra nuclear foi brandido como uma bandeira diante dos que o ouviam. No Parlamento, no discurso anual do estado da Nação, o Presidente russo prometeu que a Rússia reagirá e “derrotará” a NATO no seu próprio território se houver uma “ameaça de expansão” que desencadeie uma guerra nuclear. São declarações que surgem no seguimento de Macron se ter recusado a descartar a possibilidade de colocar tropas no território ucraniano. O Presidente francês admitiu, porém, não haver entendimento sobre tais movimentos, após a conferência de 20 líderes – principalmente europeus -, em Paris. “Não há consenso para apoiar oficialmente o avanço de quaisquer tropas terrestres. Dito isto, nada deve ser excluído. Faremos tudo o que pudermos para garantir que a Rússia não prevaleça.”

Putin reagiu, apesar do impasse: “Eles estão a preparar-se para atacar o nosso território, e querem usar as melhores forças possíveis, as mais eficazes, para fazê-lo. Mas lembramo-nos do destino daqueles que tentaram invadir o nosso território, e, claro, o seu destino será muito mais trágico do que qualquer coisa que possamos enfrentar.” A ameaça não poderia ser mais clara, com o Presidente da Federação Russa a recorrer ao seu arsenal mais pesado. “Eles têm de compreender que também temos armas. Armas que podem derrotá-los no seu próprio território e, claro, tudo isto é muito perigoso, porque poderia, na verdade, desencadear o uso de armas nucleares. Eles não entendem isto?”

Ignorando o passado belicista da Europa (que já esteve no centro de duas guerras mundiais), o líder russo prosseguiu: “São pessoas que não passaram por experiências árduas, mas nós sobrevivemos à guerra do Cáucaso, por exemplo, e agora no conflito na Ucrânia.”

“É muito improvável que a NATO envie tropas para a Ucrânia, uma vez que essa poderá ser a jogada que dará início a uma guerra mais ampla”, explicou ao Expresso Walter Dorn, professor de Estudos de Defesa na Canadian Forces College, em Toronto. “O Ocidente – especialmente os EUA – tem sido muito cuidadoso em evitar uma guerra direta com a Rússia.” Nesse sentido, os comentários de Macron terão servido “para dar à Ucrânia mais poder na mesa de negociações, assim que as conversações começarem”, sustenta o analista. “As ameaças de Putin, quanto a um conflito mais amplo, também são uma teatralização. Putin perderia a guerra na Ucrânia se o Ocidente interviesse diretamente e fornecesse as suas tropas. Alguns países, como a Polónia e os países bálticos, sentem uma ameaça direta da Rússia.” Portanto, seriam os mais interessados em garantir que a Rússia perca na Ucrânia.

Mas os Estados Unidos exercem uma influência inescapável no contexto da NATO, e têm sido enfáticos em afirmar que não enviarão quaisquer tropas para a Ucrânia. “Tanto quanto sabemos, nem sequer enviaram pequenos grupos de observadores”, aponta Mark Cancian, antigo conselheiro do Departamento de Defesa norte-americano e agora conselheiro do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, um grupo de reflexão em Washington. “Sabe-se que outros países da NATO, como o Reino Unido, enviaram pequenos grupos de observadores e de aconselhamento. Alguns países, como a França, ameaçaram enviar tropas, mas isso são demonstrações de poder. Não há probabilidade nenhuma de a NATO enviar forças de combate para a Ucrânia, porque isso significaria entrar em combate com a Rússia e iniciar a guerra maior que todos estão a tentar evitar. As tropas da NATO na Ucrânia são também uma das linhas vermelhas russas para as quais poderão utilizar armas nucleares. A outra é uma invasão terrestre da pátria russa.”

Emmanuel Macron conseguiu, no entanto, alterar o debate no seio da Aliança sobre como apoiar a Ucrânia. “Ajudou a mudar a narrativa em torno das próprias forças da Ucrânia, que têm tido reveses ultimamente, e possivelmente serviu para distrair a atenção da sua mudança posição sobre a compra de equipamento dentro – ou fora – da Europa”, lembra William Alberque, diretor de Estratégia, Tecnologia e Controlo de Armas do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, em Berlim. (O Presidente francês diz agora que a supressão das necessidades de artilharia da Ucrânia pode ser assegurada usando dinheiro da UE mas comprando material fora do bloco.)

Neste momento, é até provável, segundo aponta Alberque, que haja vários conselheiros estrangeiros em território ucraniano, ainda que a introdução de tropas seja inverosímil. No entanto, aquela possibilidade altera os termos do debate. “Se a Ucrânia estivesse em verdadeiro risco de colapso, seria possível inserir forças estrangeiras para proteger os civis e desafiar a Rússia a atacá-los, a fim de pôr fim ao conflito. Mas mesmo esse cenário é muito improvável atualmente.”

Para Putin, acenar com essa possibilidade foi o suficiente para que voltasse a defender que o Ocidente está a tentar “destruir” a Rússia e restringir o seu desenvolvimento. “O chamado Ocidente, com as suas tendências tão colonialistas, está a esforçar-se, não só para conter o nosso desenvolvimento, mas também tem a intenção de nos destruir e de usar o nosso espaço para quaisquer que sejam os seus propósitos, incluindo a Ucrânia. Estão absolutamente determinados a introduzir divisão entre nós e a enfraquecer-nos.”

Ó site “Político” discorre sobre o plano de Putin para os próximos seis anos (período pelo qual o Presidente russo ainda deverá governar, após as eleições de março): “continuar a combater, parar de beber e ter bebés”. No seu discurso de duas horas, Vladimir Putin não demonstrou apenas o compromisso de continuar a guerra na Ucrânia, mas também prometeu que a vida em 2030 seria melhor para todos no país. “Vemos o que está a acontecer em alguns países, onde as normas morais e as instituições familiares estão a ser deliberadamente destruídas, empurrando povos inteiros para a extinção e degeneração. Nós escolhemos a vida.” O líder russo apelou aos cidadãos que “parem de beber” e que se dediquem a atividades que aumentem a esperança média de vida e a natalidade na Rússia.

O Reino Unido criticou Olaf Scholz por ter afirmado que os britânicos e os franceses estão a ajudar a Ucrânia na “gestão e controlo de alvos” para serem atingidos por mísseis de cruzeiro. A acusação do chanceler alemão é “errada, irresponsável e um estalo na cara dos aliados”, respondeu a presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros do Parlamento do Reino Unido, Alicia Kearns. Em Berlim, no início desta semana, Scholz justificou a sua contínua recusa em enviar mísseis de cruzeiro de longo alcance (Taurus) para a Ucrânia dizendo que isso poderia levar a que tropas alemãs na Ucrânia tivessem de os programar, tornando assim a Alemanha um participante ativo no conflito.

Outras notícias a destacar:

⇒ Os ministros europeus da Defesa e dos Negócios Estrangeiros reunir-se-ão em Paris nos próximos dias para discutir questões da Ucrânia e a Moldávia. A informação foi avançada por um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros francês nesta quinta-feira. Os responsáveis separatistas pró-russos da região separatista moldava da Transnístria pediram, na quarta-feira, “proteção” a Moscovo. Os representantes pediram ao Conselho da Federação e à Duma (Parlamento) da Rússia que “aplicassem medidas para proteger a Transnístria face à crescente pressão da Moldávia”. O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW) publicou no fim da semana passada um alerta sobre a possibilidade de que esta região, no leste da Moldávia, pudesse pedir para ser anexada oficialmente à Rússia. “A região separatista pró-russa da Transnístria pode convocar ou organizar um referendo sobre a anexação da Transnístria à Rússia no recentemente anunciado Congresso dos Deputados da Transnístria, previsto para 28 de fevereiro”. A região da Transnístria situa-se a leste da Moldávia, junto ao sudeste da Ucrânia. A presença militar russa mantém-se desde 1992. (Pode ler mais sobre este tema aqui e aqui.) A Transnístria foi um tema ignorado por Putin no seu grande discurso anual realizado esta quinta-feira.

⇒ As Forças Armadas da Ucrânia alegam ter abatido mais três caças Su-34 russos. No Telegram, o líder militar Oleksandr Syrskyi referiu os novos sucessos contra a Força Aérea de Moscovo. “Após operações de combate bem-sucedidas contra uma aeronave inimiga na noite de 29 de fevereiro, mais duas aeronaves russas foram destruídas: caças Su-34 nos setores de Avdiivka e Mariupol.” Os militares ucranianos tinham dito, na semana passada, que a Rússia perdeu seis aviões de guerra em três dias.

⇒ A Ucrânia identificou 511 pessoas suspeitas de crimes de guerra desde o início da invasão russa, em fevereiro de 2022. Já foram proferidas 81 condenações, também de acordo com o procurador-geral de Kiev. Andriy Kostin falava durante uma conferência de imprensa sobre crimes de guerra, juntamente com os procuradores da Polónia, Lituânia, Roménia e do presidente da organização de justiça da UE, a Eurojust. Foram anunciados os avanços conseguidos pela Equipa Conjunta de Investigação, uma iniciativa que junta cinco países da União Europeia para investigar crimes de guerra na Ucrânia. O presidente da Eurojust, Ladislav Harman, disse tratar-se da “maior investigação de crimes de guerra da História”.

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