O título é infantil? Faz lembrar a cantiga das galinhas, não é? Eis o que me ocorre responder: quem diz é quem é. Isto, e que foram as oposições que começaram.

Mais a sério: Freud explica.

O PCP anunciou uma moção de censura a um Governo que ainda nem se conhecia; o BE, três dias depois, apontou-lhe o dedo por causa do aumento do preço das casas em Lisboa, como se a responsabilidade fosse sua; ambos optaram pela ausência na tomada de posse, mostrando que, criancice por criancice, maturidade por maturidade, ainda estão, em matéria de democracia, na fase anal. Não se escandalize o estimado leitor, segundo Freud, a criança sente, nesta fase, grande prazer em expulsar e muita dificuldade em conter.

Já do outro lado do pátio da escola, o Chega, um partido que se diz conservador e de direita, optou pelo assédio moral: seguindo as pegadas do PS, quando este escavacou a tradição parlamentar em 2015, impediu a sua restauração; basicamente, permitir que o partido mais votado escolhesse o Presidente da Assembleia da República e que os demais partidos, por ordem de votação, indicassem Vice-presidentes e Secretários da mesa. O resultado é conhecido: roubaram a bola (ao Aguiar Branco), mas apareceram para os doces (ao Pacheco Amorim). Mas a imaturidade não se ficou por aqui: depois da birra veio a mentira. As torpes insinuações que lançaram sobre a Ministra da Saúde, a propósito do caso das gémeas, mostram um partido na fase oral: segundo Freud a criança tem uma fixação por levar tudo à boca. O problema é que, se o que entra também sai, sai-lhes tudo da boca para fora logo a seguir; e o expelido não costuma vir em bom estado.

Preocupante, preocupante, é o estado do PS. O chefe do partido que se quer fazer passar pelo esteio da seriedade – eles dizem mesmo isto sem se rir – faltou à tomada de posse do novo Governo. Podia ter sido coisa séria e atendível, mas, no dia seguinte, depois de secar as lágrimas e engrossar a voz, disse que não pôde e pronto! Exibindo um desprezo pelas instituições sem precedentes na história do partido, Pedro Nuno Santos voltou ao estilo gabarola do “até lhes tremem as pernas”. Quem não gostou nada disso foi José Luís Carneiro, que veio dar voz aos críticos que, por enquanto ainda em silêncio, se começam a agitar nos corredores do Largo do Rato: “há espaço para o diálogo com o PSD”, disse. É a chamada fase fálica freudiana: uns sentem-se tomados pela ansiedade da castração, outros querem matar o pai.

Já o resto da canalha, à falta de melhor ideia, entumeceu-se com a história do logótipo. O que era uma chalaça por ser a “primeira medida” do Governo, agora é um “atentado à inovação” e merecedor de petição. Luís Montenegro, esse, mandou-os passear. Conselho adicional: levem chapéu para não apanharem sol na moleirinha.

E nisto, com estas oposições, a falta de maioria parlamentar, que parecia uma fragilidade do Governo, qual espada sobre a cabeça de Damocles tem um reviravolta na história: Montenegro passa a Dionísio e as oposições ocupam o lugar de Damocles. Explico melhor: conta a história grega que, em Siracusa, o Rei Dionísio tinha em Damocles um súbdito bajulador a quem Dionísio oferece o seu reino por um dia. À cautela, porém, manda pendurar uma espada sobre a sua cabeça, o que rouba a Damocles todo o prazer do exercício do poder.

A AD, saída das eleições, parecia o Damocles: condenada exercer o poder, por um curto período de tempo, sempre com medo de que o(s) Dionísio(s) fizessem cair a espada sobre a sua cabeça. Dá-se o caso de a AD ter formado um Governo focado em governar e, quiçá mais inspirada nos romanos do que nos gregos, já anunciou que segue a máxima de Horácio: escolha um dia tão pouco quanto a posteridade crédula (aproveita o dia e confia o mínimo possível no amanhã).

Por falar em é e em amanhãdois cenários sobre a longevidade do Governo começam a tomar conta das narrativas dos comentadores: o primeiro, é que o Governo dura até Outubro, data da discussão do primeiro orçamento (para 2025); o segundo, é que dura até depois do primeiro impedimento (de dissolução da Assembleia) do próximo Presidente da República, lá para 2026. Sugiro uma declinação do primeiro cenário: a AD aposta na espada sobre a cabeça das oposições. Dependendo do resultado das próximas eleições europeias, e de uns estudos sobre o clima político encomendados pelos partidos, PS e Chega avaliarão o quanto querem ir para eleições. Caso a tentação seja grande, repito o que tenho dito: têm que se concertar num propósito e num momento para derrubar o Governo. Boa sorte nisso.

Volto à declinação do primeiro cenário: a AD, dependendo do que faça nos primeiros 6 meses, pode bem estar a apostar numa legislatura de 6 meses + 4 anos. Quando os meninos voltarem à sala, depois do recreio, vamos ver o que estudaram sobre combate à corrupção, resolução dos problemas do SNS, valorização e dignificação das carreiras, melhoria da escola pública e diminuição da carga fiscal. O Governo, até ver, marca o alinhamento da oral e parece ter a lição estudada, vamos ver os outros.

Tal como dizia Freud, que às vezes um charuto é só um charuto, às vezes um governo também é só um governo e umas eleições só umas eleições.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia

Fuente