Luís Montenegro colocou o combate à corrupção no topo das prioridades do seu novo Governo. A esquerda quis mostrar que a direita não está sozinha neste tema e o PCP foi o primeiro a ir a jogo. Uma semana depois do Governo tomar posse, os comunistas dão entrada na Assembleia da República a três projetos de lei de combate à corrupção que desafiam o PSD a aproximar-se da esquerda à esquerda do PS numa altura em que o primeiro-ministro deu ordem à ministra da Justiça para dialogar com todos os partidos para aprovar uma agenda de combate à corrupção. Entre elas está o combate às “portas giratórias” através do aumento do ‘período de nojo’ para quem transita de cargos públicos para empresas privadas e uma nova sanção para empresas que contratem violando esta lei que implica a devolução dos apoios públicos recebidos.

Na segunda-feira, o PCP já tinha apresentado uma proposta de criação de uma comissão parlamentar de inquérito à privatização da ANA onde pressionou a direita a viabilizar como forma de mostrar “coerência” entre as “palavras e atos”.

Um dos objetivos do PCP com estas medidas é travar a “promiscuidade” entre público e privado que considera acontecer através da transição direta entre cargos públicos e empresas privadas que atuam nesse mesmo setor. Para isso, os comunistas propõem aumentar para cinco anos o chamado ‘período de nojo’ obrigatório, ou seja o período em que um governante não pode passar para o setor privado da área que tutelou, “fixando um período de duração superior ao de uma legislatura”, lê-se no documento submetido.

Ana Baião

Além disso, os comunistas querem desincentivar as empresas de contratarem pessoas que ainda estão dentro do período de nojo. “As empresas que contratem em violação da lei devem ser sancionadas inclusive com a devolução de apoios públicos que tenham recebido e que podiam ter sido definidos pela pessoa que depois contrataram”apresentou António Filipe no Parlamento, esta terça-feira, dia 9. A proposta do PCP prevê ainda que as empresas que desrespeitem o período de nojo fiquem impedidas de “celebrar contratos com o Estado ou com quaisquer entidades públicas, de beneficiar de quaisquer incentivos ou isenções que envolvam recursos públicos, bem como de aceder a fundos comunitários, por um período de cinco anos a contar da prática da infração”.

“Se fizermos recair apenas sobre o titular do cargo o ónus de não poder exercer funções públicas por violar o período de nojo, não ficará preocupado porque provavelmente não deverá querer voltar a assumir cargos públicos nos próximos anos”, justificou o deputado comunista.

A segunda proposta incide sobre o combate aos paraísos fiscais que, muitas vezes, servem como veículos para “branqueamentos de capital e fugas ao fisco”. O PCP quer definir, junto das autoridades, as regiões e Estados onde existem estes chamados off shores e proibir as transações com os mesmos. Para os “off shores fora dos não cooperantes”, a proposta comunista prevê uma taxa de 35% sobre as transações para estes locais. “É uma medida da mais elementar decência. Vale de pouco falar de combate à corrupção quando permitimos que centenas de milhões de euros sejam perdidos pelo fisco para os paraísos fiscais”, atirou com mira aos partidos à direita que puxam para si as bandeiras do combate à corrupção, mas que evitam mexer neste tema. António Filipe admitiu que o combate a estes regimes deve ser “transnacional”, mas “cada Estado pode fazer o seu caminho”.

Por fim, o PCP propõe também proibir o Estado de recorrer à arbitragem como forma de resolução de litígios que o envolvam em matéria administrativa, fiscal e de contratação pública. “Só as garantias de imparcialidade dadas pelos tribunais estaduais estão em condições de garantir a aplicação da justiça material, ditada pelo direito e respeitadora do interesse público e dos princípios da legalidade e da igualdade”, lê-se na proposta.

Os comunistas avançam com estas propostas sem garantias de que serão viabilizadas, já que António Filipe confirmou aos jornalistas que não houve conversações sobre as mesmas com os restantes partidos. “Algumas destas iniciativas já foram discutidas em sessões legislativas anteriores, mas não nesta configuração”. Com Luís Montenegro a colocar a Ministra da Justiça a dialogar com os partidos para aprovar uma agenda de combate à corrupção, é provável que estas medidas façam parte das conversações com os comunistas. Ainda assim, a distância entre os partidos dificulta uma aprovação por parte do PCP, mesmo que inclua uma aproximação a alguma destas três propostas.

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