Poderíamos bem passar a chamar ao dia 9 de Abril o “Dia Europeu da Justiça Climática”: o direito europeu deu nesta terça-feira um salto gigante em matéria climática, quando o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) anunciou as suas decisões sobre três casos pioneiros em que diversos países eram acusados de não fazer o suficiente no combate às alterações climáticas.

Saíram vitoriosas as “avós do clima” da associação Idosos climáticosque viram reconhecida a violação dos seus direitos a um processo equitativo e ao respeito pela vida privada e familiar. Mas a decisão do TEDH contra o Estado suíço não é apenas importante para a Suíça, mas para todos os 46 países signatários da Convenção Europeia dos Direitos Humanos: foi a primeira vez que um tribunal regional de direitos humanos decidiu que os países poderão estar a violar direitos humanos se não reduzirem as suas emissões de gases com efeito de estufa com a rapidez necessária.

“O tribunal poderá deixar claro que o clima não é uma área sem lei”, desafiava Cordelia Bähr, principal advogada das Idosos climáticosem declarações ainda antes da audiência do TEDH, em Estrasburgo. “O acórdão mostra aos cidadãos, juízes e governos de toda a Europa o que é necessário em termos de protecção climática para respeitar os direitos humanos”, afirmou na terça-feira a advogada, à saída do tribunal.

Qualquer processo apresentado a um juiz nos tribunais nacionais da Europa que relacione o clima com os direitos humanos terá agora de ter em conta a decisão do mais alto tribunal de direitos humanos. “Não derrubámos o muro, mas fizemos uma grande fenda”, afirmou Catarina Mota, do grupo de seis jovens portugueses que levou 32 países ao TEDH, e que não viu o seu caso aceite com base em questões formais. “O dia foi uma vitória pelo facto de termos conseguido precedentes para, no futuro, outras decisões climáticas. Estamos claramente felizes, este não é um dia triste”, garantiu.

O impacto começou logo a notar-se. No mesmo dia, um porta-voz da Comissão Europeia veio afirmar que “a Comissão toma nota destas decisões e irá certamente estudá-las com cuidado”. Também a nova ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, prontificou-se a declarar que “esta pronúncia não diminui a nossa ambição e a nossa responsabilidade para com a acção climática”. A ministra acrescentava ainda que o novo Governo irá manter o objectivo anunciado (mas nunca formalizado) pelo Governo anterior de atingir a neutralidade carbónica até 2045, “cinco anos antes das metas definidas pela UE”.

Outra dimensão que será importante não perder de vista é a garantia do acesso à justiça para reclamar justiça climática. “Não adianta ter um direito e não ter formas de o reivindicar, de participar em decisões públicas e ter acesso a tribunais para reivindicar direitos”, explicou Maria Antonia Tigre, directora para litigância climática do Sabin Center for Climate Change Law da Universidade de Columbia, em entrevista ao Azul. “O reconhecimento disso também é extremamente importante.”

Se esta decisão traz boas notícias para os “casos climáticos” que chegarão aos tribunais portugueses, mais difícil é perceber qual será o impacto sobre as zonas cinzentas entre clima e ambiente.

Foi este o tema que permeou muitas conversas no 9.º Encontro Nacional pela Justiça Climática, que o Azul acompanhou em Boticas no último fim-de-semana: como equilibrar o impacto da transição energética — essencial para o abandono dos combustíveis fósseis que envenenam o nosso clima — na natureza? Seremos capazes de reduzir as emissões na medida necessária respeitando os direitos das populações em lugares como o Barroso, ao lado da Serra do Gerês?

“Para nós, a transição verde tem um sabor muito amargo”, lamentava Aida Fernandes, uma agricultora de Covas do Barroso convertida em activista. “Onde é que nós vamos parar? Cada vez mais a destruir… Sabemos que o planeta não vai aguentar”, afirmava Nelson Gomes, da associação Unidos em Defesa de Covas de Barroso, questionando os consumos (e o consumismo) e a crença de que é possível crescer infinitamente e continuar a ser “verde”. A justiça climática já está a passar pelos tribunais, mas é importante que chegue a todo o lado.

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