Numa semana, vai a apresentação de um livro. Na semana seguinte, participa num podcast. Pedro Passos Coelho, quando governou, ficou tão viciado em destruir postos de trabalho que hoje em dia faz questão de ter a agenda de um desempregado. As duas aparições são, no entanto, simbolicamente opostas. Quando apresentou o livro “Identidade e Família”, Passos Coelho colocou-se ao lado daqueles que acham que as tarefas domésticas devem ser feitas exclusivamente pela mulher. Agora, encarregou-se ele próprio da lavagem de roupa suja.

O ex-primeiro-ministro foi ao podcast “Eu Estive Lá”, de Maria João Avillez, para reconstituir na primeira pessoa o período difícil da troika. As eleições de março já passaram pelo que, como assinalou o próprio, já não é cedo demais para falar desses anos. Ao assumir apenas erros na “comunicação”, o ex-PM torna este episódio numa espécie de “não se fala mais nisto”. Como se viu na campanha e como atesta o afastamento de Montenegro deste legado, os portugueses são capazes de se lembrar melhor desse período do que Passos Coelho. Aliás, se a entrevista tivesse sido conduzida por alguém da mesma faixa etária da entrevistadora, mas cujo apelido não fosse Avillez, talvez a conversa não tivesse sido tão cordial.

Como muita gente faz em momentos de ira, Passos Coelho bateu com Portas. Queixou-se da falta de “solidariedade” do CDS e, revelando que a troika achava que Paulo Portas não era de confiança, gaba-se de tê-lo salvado de uma humilhação, humilhando-o agora. Paulo Portas não era de confiança em 2013, mas o PSD de Passos Coelho voltou a coligar-se com o CDS nas legislativas de 2015. Está explicado porque é que Passos Coelho tem a convicção de que o PSD se deve juntar ao Chega: tem o fetiche de chamar para o governo gente que não é de confiança. A verdade é que Paulo Portas não tem legitimidade para considerar indecorosa a revelação de detalhes que não eram públicos com vista à descredibilização de uma figura política. Tanto a vingança como a vichyssoise servem-se frias.

No que toca ao seu legado no partido, Pedro Passos Coelho assinala que Luís Montenegro teve “a preocupação de tentar desligar”. É uma experiência comum a todos os progenitores de adolescentes. Primeiro, são os melhores amigos dos pais. De um momento para o outro, não atendem as chamadas e até tentam desligar. Mais deselegante foi a afirmação de que “ninguém se lembraria” de Luís Montenegro para líder do PSD caso o atual PM não tivesse sido líder parlamentar do governo da PaF. O governo de direita tem poucos dias e já temos um “sem mim, não eras nada”. Passos Coelho é um daqueles ex-namorados que respondem a stories de antigas companheiras a divertirem-se em concertos com a frase “fui eu que te mostrei o hip-hop”. Esta ideia amargurada de “não te esqueças quem é que te pôs a jogar nessa posição” é algo que não fica bem a um treinador dos sub-13 do Real Massamá, quanto mais a um ex-primeiro-ministro.

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