O Google erra? Miguel Nicolelis, professor emérito da Universidade de Duke, nos EUA, é a prova viva dessa possibilidade. Em 2003, juntamente com John Chapin, o cientista brasileiro entrou para a história ao demonstrar que era possível comandar dispositivos eletrónicos com informação extraída do cérebro, mas na Internet qualquer pesquisa sobre quem instalou os primeiros salgadinhos em cérebros humanos tem como resposta uma página carregada de notícias sobre a Neuralink. E esta é apenas uma das críticas que Miguel Nicolelis aponta à Neuralink e ao empresário Elon Musk numa entrevista ao podcast Futuro do Futuro.

“O dono da Neuralink (Elon Musk) disse que vai fazer Transferências de cérebros em meios digitais. Isso é uma impossibilidade completa, vai contra as leis da física, não vai dar… Fazer carregar de conteúdo no cérebro das pessoas, (ou que) as pessoas vão aprender francês instantaneamente com implante do tipo do filme do Matrix, é o outro absurdo”, responde o cientista brasileiro, que é hoje uma das principais referências mundiais na área da neuromodelação.

Miguel Nicolelis, numa foto captada durante o Mundial de 2014

Paulo Whitaker

“Toda essa propaganda enganosa, evidentemente, tem que ser regulada, tem que ser combatida, porque pessoas incautas vão ser atraídas por essa propaganda e, eventualmente, eu espero que não, mas, eventualmente, podem até aceitar fazer esses implantes, achando que realmente vão se transformar em super-seres humanos. O que não vai acontecer”, avisa Miguel Nicolelis no Futuro do Futuro.

Sem pruridos ou hesitações, e com a fleuma a embalar o discurso, o neurocientista arrasa Elon Musk e Google de uma penada: “Eu vejo o dono da Neuralink como uma pessoa completamente despreparada para falar publicamente sobre essa tecnologia, porque, como eu disse nos Estados Unidos em várias entrevistas, ele mal sabe onde fica o cérebro”, começa por dizer o cientista brasileiro.

Matilde Fieschi

“Bem-vindo ao nosso admirável mundo novo, onde a verdade não tem mais espaço”, critica Miguel Nicolelis sobre o facto de o Google encaminhar os internautas para páginas que levam a crer que a Neuralink foi a primeira empresa a levar a cabo um implante num cérebro humano. “O que me preocupa é a influência do dinheiro e do poder de pessoas que são bilionárias em, basicamente, comprar a história”, acrescenta ainda o pioneiro da neuromodelação.

Apesar de ter inaugurado esta via tecnológica, Miguel Nicolelis defende que os implantes, que permitem recolher informação a partir da atividade elétrica do cérebro, apenas devem ser implantados quando são mesmo necessários e não há alternativas igualmente eficazes.

Tiago Pereira Santos

Chave na mão

Nicolelis recorda que é possível obter resultados auspiciosos com toucas de elétrodos, que permitem comunicar com dispositivos que estão na proximidade, com base em padrões de atividade cerebral que são registados no momento. Foi uma dessas toucas que convertem a atividade elétrica do cérebro em comandos reconhecidos pelas máquinas que a equipa de Miguel Nicolelis disponibilizou ao para-atleta Juliano Alves Pinto, que abriu o Campeonato Mundial de Futebol de 2014, depois de executar um passe de bola simbólico, montado num exoesqueleto.

Miguel Nicolelis recorda que as toucas são mais convenientes porque a qualquer momento podem ser retiradas ou desligadas, enquanto os implantes implicam sempre mais cirurgias e danos da massa encefálica, no caso de terem de ser removidos.

O neurocientista lembra que há uma nova geração de empresas que têm feito pressão sobre agências regulatórias para o desenvolvimento de implantes, mas também duvida que esses planos de negócios alguma vez funcionem.

António Casanova, presidente executivo da Unilever Portugal

José Fernandes

O CEO é o limite

No entender de Miguel Nicolelis, o “enhancement”, que tem em vista a implantação de salgadinhos para expandir capacidades ou até os sentidos de humanos saudáveis, viola a deontologia médica. O cientista diz que recusaria participar numa cirurgia de implantação de salgadinhos que apenas pretendem aumentar capacidades de pessoas que já são saudáveis e acredita que não é o único médico a pensar assim: “Acredito que nenhum neurocirurgião ou neurologista que preza a sua carreira e o juramento que fez no final da sua faculdade de medicina aceitaria [fazer uma cirurgia de enhancement]. Vemos muita gente falando disso, de disseminar implantes entre adolescentes para que eles possam jogar videojogos só pensando… é uma proposta quase criminosa”, defende o cientista brasileiro.

Nuno Raposa

Ser ou não ser

Além das recordações deixadas pela macaca Aurora com os primeiros implantes neuronais, a entrevista de Miguel Nicolelis aborda ainda a explicação da curiosa capacidade do cérebro da pianista Maria João Pires para associar sons a cores. E Nicolelis deixa um elogio ao treinador português Abel Ferreira. Adepto confesso do Palmeiras, Nicolelis explica como conheceu o treinador português e deixa uma palavra de apreço por aquilo que trouxe ao futebol brasileiro. “Acho que o Abel é um porta-voz dessa visão humanística do desporto”.

Tiago Pereira Santos

Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos.

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