Tive, há alguns anos, a oportunidade de trabalhar num projeto de formação na Guiné-Bissau. Um dos principais problemas de alguns dos negócios a que a formação se destinava, era a falta de recipientes de vidro para embalar os produtos produzidos localmente. Num dos casos era o sumo de caju, mas o acesso a embalagens de vidro era uma constante em mais negócios. O problema foi de fácil resolução: numa das principais discotecas de Bissau, vendia-se bastante cerveja embalada em vidro e de tara perdida. Foi, por isso, fácil arranjar quem se ocupasse da recolha das garrafas abandonadas na rua, as transportasse para Canchungo, onde uma cooperativa, vocacionada para dar apoio à comunidade local e visando estimular a capacidade de produção e gestão dos seus próprios empreendimentos, fervia as ditas garrafas para posterior tratamento e reutilização, num processo artesanal, mas eficaz, e num claro exemplo de inovação frugal.

A inovação frugal, um conceito enraizado na simplicidade, no engenho e na eficiência, tem sido há muito tempo um marco da capacidade do ser humano se superar e resistir, ao longo da história. Na inovação frugal podemos englobar a habilidade de criar soluções impactantes utilizando recursos limitados, frequentemente em circunstâncias desafiadoras. Desde a invenção da roda até o desenvolvimento de dispositivos médicos de baixo custo, como é o caso da Aravind Eye Care, criada por Govindappa Venkataswamy para ajudar no tratamento da cegueira na Índia rural, a inovação frugal tem desempenhado um papel fundamental ao impulsionar o progresso e contribuir para a melhoria da qualidade de vida em todo o mundo.

Uma das suas características é focar-se em suprir necessidades urgentes com soluções pragmáticas e económicas. Trata-se de uma abordagem particularmente relevante no mundo atual, onde, às restrições de recursos e disparidades socioeconómicas, podemos agora associar também os desafios ambientais, com os bastiões da redução, da reutilização, e da reciclagem. A inovação frugal oferece um caminho para superar esses obstáculos, aproveitando a criatividade e a adaptabilidade.

Além disso, fomenta uma cultura de inclusão e acessibilidade ao democratizar o acesso a bens e serviços essenciais. E ao projetar produtos e serviços acessíveis e escaláveis, capacita comunidades marginalizadas e diminui a lacuna entre os que têm e os que não têm. Fá-lo, seja fornecendo soluções de saúde acessíveis para populações mais carenciadas, seja produzindo tecnologias de energia renovável de baixo custo para comunidades rurais, como foi o caso de sucesso da iluminação do campo de refugiados de Kakuma, no Quénia, facilitada pela EDP. A inovação frugal tem o potencial de transformar vidas e criar uma sociedade mais equitativa.

Ainda assim, apesar do seu imenso potencial, a capacidade de inovar de forma frugal enfrenta desafios no mundo moderno. O aumento do consumismo, aliado à busca incessante pelo avanço tecnológico, levou a uma cultura de excesso e desperdício. Em muitos casos, o foco da inovação convencional tem-se desviado para soluções em que a extravagância, a ostentação e o consumismo imperam. Essa tendência não apenas agrava a exaustão dos recursos do planeta e fomenta a degradação ambiental, como também amplia o fosso entre ricos e pobres.

Assim, os modelos tradicionais de inovação dão mais facilmente prioridade ao lucro em detrimento do impacto social, resultando em falta de apoio para iniciativas frugais, nomeadamente por partes de grandes empresas, onde maioritariamente a criatividade — chancelada por cursos superiores nestas áreas — se concentra. Como resultado, muitas ideias e soluções promissoras permanecem subutilizadas ou ignoradas, privando a sociedade dos seus potenciais benefícios.

Para revitalizar o espírito da inovação frugal é essencial cultivar uma mentalidade de engenho, de criatividade e de cooperação, abandonando-se a tradicional ideia de que é (apenas) a necessidade que aguça o engenho. Governos, empresas e organizações da sociedade civil devem reconhecer o seu valor, apoiando iniciativas desta natureza. Esforços para promover a inovação frugal devem por isso, tal como no caso das iniciativas na Guiné-Bissau e de outras comunidades africanas — entretanto já no radar de grandes ONGs — esforçar-se por capacitar comunidades locais e promover a inovação de base.

Ao aproveitar o conhecimento, os recursos e o perícia local, as comunidades podem desenvolver soluções adaptadas às suas necessidades e contextos específicos. Por isso é que estas soluções partem frequentemente de dentro e são, depois, disseminadas para fora do contexto em que foram criadas, numa clara abordagem, não convencional, de “pense localmente, aja globalmente”, como aconteceu com o famoso Chotukool, o pequeno frigorífico nascido na Índia pelas mãos da Godrej, e agora à venda em diversas geografias.

Em conclusão, a inovação frugal representa um paradigma poderoso para enfrentar alguns dos desafios mais urgentes enfrentados pela humanidade de hoje, pois ao aproveitar os princípios de simplicidade, acessibilidade e inclusão, é possível criar soluções transformadoras que beneficiam toda a sociedade. Porém, realizar este potencial requer um esforço conjunto para superar barreiras e preconceitos que impedem a promoção de cultura de criatividade, colaboração e responsabilidade social e que têm de ser quebrados para se poder efetivamente construir um futuro mais sustentável, equitativo e resiliente para as gerações futuras. Isto passa por investir em I&D, por fornecer financiamento e mentoria a projetos inovadores, por criar ambientes propícios para experimentação e aprendizagem locais, e passa também pela mudança de mentalidades, sobretudo dos mais jovens, que deveriam ser os primeiros a abraçar as soluções frugais.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990



Fuente