Três anos depois de ter sido transferida do Ministério da Agricultura para o do Ambiente, na sequência de um incêndio em dois canis clandestinos em Santo Tirso que matou dezenas de cães e alguns gatos, a tutela dos animais de companhia está de regresso à Direcção-Geral da Alimentação e Veterinária (DGAV).
Foi na sequência daquilo que classificou como tendo sido um “massacre chocante” que o então primeiro-ministro António Costa teceu fortes críticas à actuação da DGAV, ao ponto de o seu responsável máximo ter apresentado a demissão no Verão de 2020. No seu entender, aquela entidade não revelava competência para proteger os animais de estimação. Recorde-se que quando o fogo eclodiu as autoridades conheciam há perto de uma década a existência dos abrigos ilegais na serra da Agrela, em Santo Tirso, propriedade de duas mulheres, e as precárias condições higio-sanitárias em que os animais ali se acumulavam. As intervenções do Ministério Público (arquivamento de queixa), da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (vistorias e multas) e da autarquia nunca levaram ao encerramento destes espaços.
Por falta de capacidade, entre 2017 e 2021 a DGAV deixou prescrever mais de cinco centenas de processos destinados a punir com coimas violações da lei que zela pelo bem-estar dos animais de companhia.
A transferência das competências relacionadas com o bem-estar dos animais de companhia para o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, na dependência do Ministério do Ambiente, suscitou, na altura, fortes protestos. A Ordem dos Veterinários encabeçou a oposição à medida, mas no final desse ano foram 40 as entidades que enviaram uma carta aberta ao primeiro-ministro e ao Presidente da República onde diziam que a mudança contrariava as orientações de instituições europeias e internacionais sobre a matéria, como a Organização Mundial da Saúde Animal e a Comissão Europeia, que encaravam a organização dos serviços oficiais de veterinária como “um factor de absoluta importância para a gestão e o controlo de crises sanitárias”. PCP e Bloco de Esquerda também se manifestaram contra, tal como, de resto, o PSD.
Três anos depois, os ânimos parecem ter serenado e o actual bastonário dos veterinários, Pedro Fabrica, entende que os receios manifestados em 2020 não se vieram a concretizar. Apesar disso, admite que “talvez seja mais eficaz” manter debaixo do mesmo ministério os animais de companhia e os da pecuária, como agora irá suceder.
A transição também é bem-vista pela provedora nacional do Animal, figura igualmente criada na sequência do incêndio de Santo Tirso. O cargo é ocupado pela ex-bastonária dos veterinários Laurentina Pedroso, que tem tido grandes dificuldades em o exercer, por falta de meios. Neste momento, espera desde Janeiro que lhe sejam disponibilizadas as primeiras verbas de 2024 para poder realizar as actividades programadas.
“O regresso do bem-estar dos animais de companhia à DGAV era expectável. Iria acontecer mais cedo ou mais tarde”, considera, apesar de entender que a transição ocorrida em Janeiro de 2021 fazia sentido naquela altura.
Quer Laurentina Pedroso, quer o seu sucessor congratulam-se com o aumento de meios humanos, nomeadamente de veterinários ao serviço do Estado, que proporcionou a tutela do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, e esperam que esses meios sejam agora transferidos para a DGAV, que sempre foi um organismo menos favorecido a esse nível.
Ficaram sem resposta as perguntas que o PÚBLICO dirigiu ao executivo sobre as razões da transição, que não consta do programa do Governo, e sobre a manutenção da figura do provedor. O Ministério da Agricultura alegou que não podia responder antes da divulgação da lei orgânica do Governo, prevista para esta sexta-feira.