No passado dia 6 de Março, data em que o Prémio Nobel faria 97 anos e, quase dez anos depois da sua morte, os filhos do autor presentearam-nos com a publicação de uma nova obra: Vemo-nos em Agosto.
Não é consensual: entre os leitores, discute-se se este livro devia ter sido publicado. O próprio Gabriel García Márquez expressou o desejo, antes de morrer, de a ver queimada por considerar que carece de qualidade, efeito do declínio das suas faculdades mentais, marcada por uma progressiva ausência de memória, “fruto de um último esforço para continuar a criar contra ventos e marés”. Nesta sequência, e naquilo que os seus filhos assumem como um “acto de traição”, decidiram antepor o prazer dos seus leitores a todas as outras considerações. “Se eles o celebrarem é possível que Gabo nos perdoe. Confiamos nisso”, escrevem no prólogo.
Ana Magdalena Bach dá nome à personagem em torno da qual acontece toda a narrativa. “Todos os anos, a 16 de Agosto… apanha o ferry que a leva até à ilha onde a mãe está enterrada, para visitar o seu túmulo. Estas viagens acabam por ser um convite irresistível para se tornar uma pessoa diferente durante uma noite por ano”, lê-se no resumo. A personagem acaba por sucumbir ao prazer carnal com vários homens, procurando reviver o “terror delicioso” que não voltara a sentir desde a noite de núpcias com o pai dos seus filhos (o seu, até então, primeiro e único homem). Vive, na ilha, um binómio de luto e prazer, entregando-se às vontades sensuais em busca de um amante regular e confiável.
Esta curta obra incorpora uma construção de amor na idade madura, que já no seu livro anterior, Memórias das Minhas Putas Tristeso autor retratava. Especulando eu, como um reflexo da sua vida pessoal com a idade que tinha.
Classificando-o como um verdadeiro romântico provocador, este livro póstumo do autor, embora significativamente curto e com as evidentes “lacunas e pequenas contradições” anteriormente alertadas no prólogo, acolhe as saborosas descrições que só ele pode criar e de que eu já tinha saudades. Ainda que tenha deixado algo a desejar, deu-me uns quantos sorrisos.
Em relação ao desfecho, a despeito de alguns leitores que o consideram demasiado aberto ou até inacabado, acredito que não podia ser de outra forma. A hipocrisia em relação ao comportamento sexual e planos futuros da filha e a ironia de juntar duas personagens que, por razões completamente diferentes, procedem com culpa moral ao entregarem-se é uma característica da intelectualidade original de “Gabo”.
Para esta leitora, a traição dos seus filhos é perdoável.