A conversão da direita ao 25 de Abril é certamente um milagre, ou então efeito das alterações climáticas… Ver a direita de cabeça perdida por e para participar nas manifestações do 25 de Abril é coisa que não esperava ver nunca… E tenho as minhas razões. Durante 49 anos ao que sempre se assistiu foi ao seu completo alheamento à participação, quando não oposição, às manifestações populares do 25 de Abril promovidas por colectividades, sindicatos e outras entidades. Iniciativas que nunca se limitaram desde 1975 à de Lisboa na descida da Avenida, mas que sempre se realizaram, com formatos e dimensões muito diversas, por todo o país, nomeadamente nas capitais de distrito. Manifestações e festas que sempre tiveram o empenho e a presença das organizações do PCP e por vezes de outros partidos de esquerda! A direita, PSD e CDS, e de forma quase absoluta também o PS (à excepção de que desde o início subscreveu a convocatória das comemorações), nunca foram além de uma sessão solene da assembleia municipal do concelho. Por vezes conseguia-se uma ajuda monetária dos municípios dirigidos por esses partidos para os grupos musicais que animavam as festas. E viva o velho! Iniciativas que sempre também mereceram – e continuaram a merecer em 2024 – generalizadamente o total esquecimento e ocultação da generalidade (é obrigatório o pleonasmo!) dos grandes órgãos de comunicação social, jornais, rádios e televisões, que além de Lisboa, ainda conseguiam chegar ao Porto, e em anos de sorte contemplavam, com alguns segundos e linhas, Braga e Coimbra, dando inteira credibilidade ao dito «o que interessa é Lisboa tudo o resto é paisagem».

De repente, mesmo se o ano passado já houve uns afloramentos em Lisboa (certamente a pensar nos 50 anos que aí vinham) deu-lhes a febre do 25. Este ano tivemos a IL, a JSD, todas gaiteiras no fim do desfile em Lisboa, Aguiar Branco, Presidente da Assembleia da República e deputado do PSD, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas (mesmo só querendo um «25 de Abril moderado» a culminar no 25 de Novembro!) também a descerem a Avenida da Liberdade… Muito bem! Muito bem!

O que desmonta o charivari do ano passado em torno dessa participação quando reclamavam: “O 25 de Abril é de todos”! O que levou muita gente de boa fé a questionar-se: mas quem os proibiu de participar!? De realizar as manifestações e desfiles que entendessem? Certamente não estariam zangados por a Comissão que há décadas organiza o desfile não lhes abrir as portas por pensar no absurdo de convidar com um venham, venham que são bem-vindos mesmo que os vossos objectivos e vontades seja destruir a herança 25 de Abril.

Será que a desfiguração do 25 de Abril, submetida a tratos de polé pelos revisionistas da história, lhes mudou as perspectivas sobre o importante acontecimento histórico? Será que tal participação é a contrapartida que julgam necessária para fazer do golpe contra-revolucionário do 25 de Novembro o verdadeiro 25 de Abril, como decorre da verborreia do PSD (ver a conversa de Carlos Moedas), IL, CDS e Chega na Assembleia da República? Mas quem é que os tem impedido de fazer grandes manifestações pelo 25 de Novembro?

Santa hipocrisia! A sua valorização do 25 de Abril hoje vale o que disseram das manifestações comemorativas em Abril de 2020, com o país assolado pelo Covid! De facto pareceu, então, que só perante a pandemia descobriram que Abril não se devia comemorar. Mas não. Não podendo impedir a invocação do 25 Abril, há muito que se atiravam às cerimónias, oficiais e não oficiais. Às da Assembleia da República, às da Avenida da Liberdade, às de todas as ruas e praças do país. Depois de 1974 nunca mais precisaram de fazer de conta. Não gostam de rituais (os ritualistas) e mostraram-se preocupados com a criatividade das comemorações das datas históricas do país. Tanto que, aproveitando a presença da troika, os patrioteiros liquidaram duas delas: 5 de Outubro e 1.º de Dezembro, não por acaso as datas da implantação da República e da Restauração da Independência. E o 25 de Abril foi por um triz.. mas temeram a continuidade das comemorações mesmo sem feriado, como sucedeu com o 1.º de Maio durante o fascismo. Não gostam dos cravos, das palavras de ordem, da música e da poesia na rua. Não gostam de ver portugueses em festa com a festa do país de Abril. Não, não gostam. Não gostam de Abril nem das suas obras. Do SNS. Da Escola Pública. Da Constituição da República. Dos sindicatos e do que ainda resta dos direitos dos trabalhadores. Do direito a manifestar alegria, júbilo, vontade de lutar e resistir por Abril. Não, não gostam. Faz-lhes comichão.

Do que eles gostavam mesmo era que se fizesse o que o inominável Milhazes propôs nesse ano de 2020: comemorar Abril em Novembro. O que agora, tendo direitos de autor, é replicado pelo PSD, IL, CDS e Chega. O vírus foi uma oportunidade de oiro. Não sabendo o que dizer – não ia dizer bem do SNS! – o CDS descobriu a pólvora: que tal comemorar o 25, não comemorando!? A partir daí foi sempre a facturar, saiu-lhe o euromilhões. E valeu tudo. A pena que eles tiveram dos portugueses confinados em casa sem puderem comemorar! Enquanto aqueles políticos se regalavam nas cadeiras de São Bento.

O chorrilho foi o que se sabe. Não houve cão nem gato que ficasse calado. Recorde-se: “Deus não é feirão mas ajunta o gado”.

Notáveis foram os escritos do historiador Rui Ramos, patrão do Observador. De forma delirante, considerou «não se trata de comemorar o 25 de Abril. Trata-se de arranjar mais um pretexto para provar que os que não estão com a esquerda não estão com o 25 de Abril, e portanto, não estão com a democracia». Mas ainda mais extraordinário «o 25 de Abril não foi da esquerda”! Foi do CDS e do PSD, pois Freitas do Amaral elaborou com Amaro da Costa o programa do Governo provisório; e Sá Carneiro tornou-se o braço direito do primeiro-ministro Palma Carlos”! E quando se pensava que não era possível ir mais longe, eis que RR, noutro escrito da mesma data, explode: “As eleições de 25 de Abril de 1975 criaram uma legitimidade eleitoral que acabou por corroer a legitimidade revolucionária e o socialismo receitado pela Constituição”. Não se percebe bem (mas não deve ser para perceber): se o socialismo foi corroído, como é que a Constituição aprovada em Abril de 1976 receitava o socialismo?

Notáveis as catilinárias a gregos e a troianos de António Barreto, profeta do latifúndio. Esbracejando à esquerda e à direita deu um nó cego e caiu espavorido nos braços da direita, onde há muitas décadas ronrona. Todos sabemos que não é de esquerda nem de direita, antes pelo contrário. Rigorosamente a meio, porque dele é o reino dos céus, inefável pensamento, impoluta voz, fio de prumo da ética política, faz de conta que malhando assim ninguém sabe de que cor se pinta o ser reaccionário e anti-comunista em que se transformou. Ninguém enxerga o vesgo e brutal ódio com que olha para a história de Abril. Poderá dizer as maiores monstruosidades do mundo que haverá sempre um Bonifácio a apajar o seu “génio”. As da sua crónica de então sobre a polémica foram uma gota no seu oceano de mostrengos. Manholas, simulou bater em toda a gente para ocultar o ataque concentrado nas comemorações de Abril. Não apenas desse do ano do Covid. Mas a todas, de todos, quantos anos leva Abril. Arrepiou-se com o “absurdo que é o de ver todos os órgãos do Estado, os seus partidos e as suas instituições comemorarem, em romagem de saudade ou romaria festiva, a revolução de 25 de Abril!” Fez comparações: “A lembrar os anciãos do 5 de Outubro ou os decrépitos do 28 de Maio!” Vituperou: “Verdade é que a tolice e a inutilidade destas celebrações só são comparáveis à histeria daqueles que as atacam”. Ridicularizou: “As comemorações em miniatura e com cenografia de afastamento social são tão ridículas que não deveriam despertar mais que desdém e piedade”. Não resistiu: “É espectáculo inesperado ver socialistas e comunistas, verdadeiros bolchevistas, reclamar o direito de levar a cabo a liturgia democrática e o dever da República de realizar as comemorações celebrativas (…)”. Caluniou: “As comemorações do 25 de Abril são obsoletas. Mas são inocentes e não prejudicam ninguém, a não ser a democracia”. Mentiu e insultou: “Realizar as comemorações do 25 de Abril em quarentena depois de proibir funerais e baptizados, aulas e cinemas, missas e jantares, concertos e velórios, é simplesmente ridículo, revela políticos inseguros, pobres diabos novos ricos da política (…)”.

Atreveu-se mesmo a “Recordar antigos revolucionários que, em seu tempo, consideravam os republicanos das romagens do 5 de Outubro uns patetas impotentes que pouco mais valiam do que discursos vácuos e ramos de flores nos cemitérios… Vê-los hoje a exigir celebração dá vontade de sorrir…”. Mas mais depressa se apanha um mentiroso… porque o sociólogo estava a ver-se ao espelho, “radical pequeno-burguês de fachada socialista”, que assim olhavam para essas lutas. De facto, insultou todos quanto em tempos sombrios se sujeitaram às cargas policiais e à marcação dos esbirros da PIDE para afirmar o direito à manifestação, saudando nas comemorações da República a liberdade e a democracia, recusando a ditadura e o fascismo. E a olhar para Abril. Que chegou, tarde, mas chegou.

Mas para quê gastar cera com ruins defuntos? Não há volta a dar: eles não gostam do 25 de Abril, e pronto. Eles não gostam, coerentemente, das comemorações do 25 de Abril.

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