O presidente da Câmara do Porto considera que a autarquia “não é Estado” e, por isso, “não tem responsabilidades sobre a segurança”. No início da reunião do executivo desta segunda-feira, Rui Moreira leu uma declaração para condenar o “ataque inaceitável” a imigrantes na madrugada de sexta-feira. Classificando o ocorrido como “crime odioso”, disse confiar nas autoridades policiais e criticou o que considera ser a inoperância da Agência para Integração de Migrantes e Asilo (AIMA).
A conversa, estendida à vereação, acabaria por se transformar num debate sobre a imigração, com Rui Moreira a atacar o Bloco de Esquerda, que se opôs à ideia de que o município nada tem a fazer em relação a esta matéria. “Fiquei surpreendida quando disse que não tinha nada a fazer”, apontou Maria Manuel Rola, recordando que o movimento de Rui Moreira reprovou um plano de integração de pessoas migrantes em 2022 e a criação de um conselho municipal para as comunidades migrantes. “A câmara pode e deve fazer mais do que faz na integração e no apoio de quem trabalha nesta cidade e a quem vive em quartos sobrelotados em situações inaceitáveis.”
Rui Moreira considerou o argumento “populista e demagógico”, recordando que a Câmara do Porto tem um projecto de mediação intercultural, um serviço municipal de atendimento para pessoas migrantes e um programa de empregabilidade para essas pessoas. “Temos um Estado exíguo que leva a que pessoas em situação de carência e aflição tomem estas atitudes. Não sabemos se foi isso que sucedeu no Bonfim.”
Tiago Barbosa Ribeiro, vereador socialista, lamentou o “jogo do empurra” de responsabilizações e pediu que o debate se centrasse na condenação ao “acto violentíssimo” ocorrido na freguesia do Bonfim. “Não consigo sequer perceber o debate que parece gerar-se que não tem a ver com o acto em si.”
Antes, a vereadora social-democrata Mariana Ferreira Macedo havia sublinhado o “aumento gradual da criminalidade e sentimento de insegurança” na cidade e comentado a possibilidade de este acto ter sido um “ajuste de contas”. “Significa que as pessoas deixam de acreditar na justiça e fazem justiça com as próprias mãos.”
A vereadora recusou a ideia de Portugal ser um país racista e disse haver “uma ausência de estratégia e políticas de imigração” que conduziram a uma “sensação de que tudo é possível e de que as nossas fronteiras estão escancaradas”.
Também Rui Moreira criticou a política de imigração, dizendo que “desmontar o SEF foi um erro”. “Há dezenas de milhares de imigrantes que não conseguem ver regularizada a sua situação. Isto é uma competência desta agência [AIMA].”
Na sua declaração, o autarca disse que a Câmara do Porto tinha sido contactada pela AIMA, que quis saber o que poderia o município fazer no seguimento deste acontecimento. Moreira considerou a pergunta abusiva e deixou uma sugestão ao Governo: “Começaria por extinguir a AIMA e utilizar os recursos de que dispõe para habilitar os municípios a darem uma resposta, mas também a reforçar as forças policiais dos recursos de que hoje não dispõem para combater a criminalidade.”
Rui Moreira, que considerou que o sistema de videovigilância da cidade foi útil neste caso, voltou a referir a existência de um “clima de insegurança”, não só na zona onde aconteceram os ataques, mas em toda a cidade. O PÚBLICO solicitou ao gabinete de comunicação dados concretos sobre a segurança na cidade, e a sua relação com a imigração, mas ainda aguarda resposta.
Ilda Figueiredo, da CDU, sublinhou também os “focos” de insegurança da cidade, não circunscritos à freguesia do Bonfim, e pediu uma intervenção “de todos, câmara incluída” para que acontecimentos como o da passada sexta-feira não se repitam. A vereadora comunista sublinhou ainda a acção indirecta necessária, nomeadamente em matéria de acção social e habitação, para que problemas destes não repitam.
Tal como o PÚBLICO adiantou esta segunda-feira, os seis homens já detidos no seguimento dos ataques referidos são conotados pelas autoridades como pertencentes ao grupo 1143, de ideologia nacionalista e neonazi e liderado pelo condenado Mário Machado. Esse mesmo grupo organizou há um mês uma manifestação no Porto, com o lema “Menos Imigração, Mais Habitação”, autorizada pelas autoridades e pela Câmara do Porto.
O PÚBLICO questionou o gabinete de Rui Moreira se considera, à luz dos novos desenvolvimentos, ter tomado a opção certa ao autorizar, sem sequer tentar opor-se, a referida manifestação. Na altura, a autarquia alegou não ter margem para recusar o evento. Alguns constitucionalistas têm corroborado essa posição, argumentando que o direito à manifestação é absoluto. Outros, porém, têm defendido exactamente o contrário, sustentando que, se a manifestação atentar contra direitos constitucionais, pode ser impedida.