A 7 de maio de 1824, o Theater am Kärntnertor, em Viena, encheu-se para ouvir a estreia mundial da Nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven, a última que o compositor viria a completar. No início do segundo andamento, que começou com o som de timbales, o público aplaudiu efusivamente, mas o músico, então com 53 anos, permaneceu de costas, indiferente ao louvor do público. Só quando um solista o agarrou pela manga e o virou para a plateia é que Beethoven se deu conta da euforia que tomara conta da sala.

Duzentos anos após o concerto que teve tanto de marcante como de embaraçoso para o consagrado compositor, que começara a perder a audição aos 20 anos e fora forçado a conviver com a progressão da doença no decorrer do seu percurso, o mistério da sua surdez pode estar mais perto de ser solucionado, graças à descoberta de substâncias químicas tóxicas em madeixas do seu cabelo.

Um grupo de investigadores do Ira F. Brilliant Center for Beethoven Studies, da San Jose State University, encontrou quantidades “impressionantes” de chumbo em fios de cabelo que terão pertencido ao compositor, como foi comprovado por uma análise de ADN. Uma das madeixas de Beethoven continha 258 microgramas de chumbo por grama de cabelo e outra tinha 380 microgramas por grama de cabelo, quando o nível normal desta substância no cabelo é inferior a quatro microgramas.

“Isto mostra definitivamente que Beethoven esteve exposto a concentrações elevadas de chumbo”, resumiu o diretor do Mayo Clinic, laboratório especializado na análise de metais pesados, citado pelo ‘The New York Times’. Paul Janetto acrescentou que os valores registados foram “dos mais elevados” que alguma vez observou em fios de cabelo. “Recebemos amostras de todo o mundo e estes valores são de uma magnitude superior”, vincou.

Chumbo era usado em vinhos, alimentos e medicamentos

Além de chumbo, os fios de cabelo de Beethoven continham níveis de arsénio 13 vezes acima do normal e níveis de mercúrio quatro vezes superiores ao normal. Contudo, o chumbo poderá ter sido o principal responsável por vários dos seus problemas de saúde, tais como a surdez, cólicas abdominais, flatulência e diarreia.

O estudo referido vem atualizar as conclusões divulgadas em 2023 pela mesma equipa de cientistas, então convencida de que Beethoven não tinha sofrido envenenamento por chumbo. Com os novos dados, os investigadores defendem que o compositor tinha chumbo suficiente no corpo para explicar as suas maleitas.

Na perspetiva de David Eaton, toxicologista e professor emérito da Unversity of Washington que não participou no estudo, os problemas gastrointestinais do compositor “são completamente consistentes com o envenenamento por chumbo”. Por outro lado, o especialista não descarta que este metal tenha levado à sua perda de audição, já que níveis elevados de chumbo podem ter efeitos graves no sistema nervoso.

A investigação não põe como hipótese o envenenamento deliberado do compositor, mas alerta para a omnipresença deste químico na vida quotidiana da Europa do século XIX, dos vinhos aos alimentos, passando por medicamentos e pomadas.

Em entrevista ao ‘The New York Times’, Jerome Nriagu, especialista em envenenamento por chumbo e professor emérito da University of Michigan, afirmou que uma das fontes prováveis dos elevados níveis de chumbo de Beethoven era o vinho barato, uma vez que aquele químico, sob a forma de acetato de chumbo (substância também conhecida como “açúcar de chumbo”), era usado para tornar mais saboroso o vinho de má qualidade.

Paralelamente, o vinho era fermentado em chaleiras soldadas com chumbo e as rolhas das garrafas de vinho eram previamente embebidas em sal de chumbo para melhorar a sua selagem.

William Meredith, fundador e diretor do Ira F. Brilliant Center for Beethoven Studies, assinalou também que Beethoven ingeria grandes quantidades de vinho – nos seus últimos dias de vida, os amigos davam-lhe vinho às colheradas, realidade documentada pelo seu secretário e biógrafo, Anton Schindler –, acreditando que teria benefícios para a sua saúde.

Ao longo dos anos, Beethoven consultou diversos médicos, experimentou inúmeros tratamentos para as suas doenças gastrointestinais e para a sua surdez e chegou a tomar 75 medicamentos – muitos dos quais provavelmente levavam chumbo –, mas nunca conseguiu aliviar os seus problemas de saúde. Em 1823, escreveu a um conhecido, também surdo, expressando a sua frustração face ao “infortúnio grave” para o qual não encontrava respostas. “Os médicos sabem pouco; acabamos por nos cansar deles.”

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