Morreu Steve Albini, ícone do indie rock enquanto produtor e engenheiro de som, dos Nirvana a PJ Harvey, e enquanto músico, nos Shellac, nos Big Black e nos Rapeman. Tinha 61 anos e não resistiu a um ataque cardíaco que o acometeu na terça-feira no seu estúdio, o Electrical Audio, em Chicago, nos Estados Unidos, relata a Forcado.

A morte de Albini acontece a uma semana do lançamento de Para todos os trenso primeiro álbum dos Shellac numa década. A banda tinha concerto marcado para o Primavera Sound do Porto, a 8 de Junho, cumprindo a tradição, iniciada em 2006, de actuar naquele festival e no seu homólogo barcelonense. O Primavera Sound era praticamente o único festival onde actuavam, já que Albini era crítico do que dizia ser a deriva comercial destes eventos. Essa acidez, votava-a também à grande indústria musical, que via como exploradora dos músicos.

No seu currículo enquanto produtor e engenheiro de som estão discos clássicos como No utero (1993), onde os Nirvana gritaram contra o convencional em que haviam sido metidos, Surfista Rosa (1988), dos Pixies, e Livrar de mimde PJ Harvey. O seu bruto toque de Midas e ética punk também fizeram brilhar discos dos Slint, Godspeed You! Black Emperor, Breeders, Jesus Lizard, Low, Dirty Three, Jon Spencer Blues Explosion, Superchunk, e os ex-Led Zeppelin Jimmy Page e Robert Plant, entre muitos outros.

“Conhecido pela sua filosofia de gravação naturalista e pelos seus métodos de trabalho meticulosamente analógicos”, como diz o site do Electrical Audio, ​Steve Albini não se via como produtor porque dizia que o seu trabalho consistia em captar os artistas na sua essência. “Ao produzir algo é-se co-responsável pelo disco. Nos discos que eu faço, a banda é 100% responsável por essas decisões”, explicava ao Ípsilon, em 2010, numa entrevista a propósito de uma vinda a Portugal dos Shellac.





No livro Nossa banda pode ser sua vida: cenas do American Indie Underground, 1981–1991Michael Azerrad descreve o trabalho de Albini em Surfista Rosa, dos Pixies: “As gravações eram simultaneamente muito básicas e muito rigorosas: Albini utilizou poucos efeitos especiais; conseguiu um som de guitarra agressivo, muitas vezes violento; e certificou-se de que a secção rítmica batia como uma só”

Esta atitude perante o som e o seu ofício no estúdio de gravação articula-se bem com a sua visão crítica da indústria. Rejeitava receber royalties pelo seu trabalho em estúdio – auferia um valor fixo. Captou vários discos editados em multinacionais, mas gravou sempre um grande número de artistas subterrâneomantendo a ligação umbilical à cena que nos deu os delirantes Big Black e Rapeman.

“Há um elemento de autoconsciência” na vontade de operar à margem da indústria, reconhecia nessa conversa com o Ípsilon. “Se és um músico e estás a fazer um disco para outras pessoas, não podes evitar participar, de uma forma ou de outra, no negócio da música, mesmo a uma escala pequena. Deves apreciar a linguagem desse mundo, mas não precisas de aceitar as coisas num sentido convencional. Deves criar o teu próprio vocabulário dentro dessa linguagem.”

Um provocador subterrâneo

Cresceu em Missoula, pequena cidade do estado de Montana, “numa espécie de isolamento cultural”, onde descobriu o punk rock dos Ramones (uma epifania) e teria a sua primeira banda, os desconhecidos Just Ducky. Seria só em Chicago, no estado do Illinois,​ que completou a sua “aprendizagem como músico”. Em 1981 estava em Evanston, no mesmo estado, a mergulhar de corpo inteiro na cena punk – fez fanzines (escrevia sobre música de forma iconoclasta, atitude que manteve até morrer) e programas em rádios universitárias (das quais seria corrido por querer passar música especialmente ruidosa logo de manhã).

Rapidamente começou a dar nas vistas enquanto músico subterrâneo. Os Big Black, que tinham entre os seus “membros” uma caixa de ritmos (“Roland” era uma Roland TR-606, com a qual faziam aquele estranho e influente rock industrial), falavam de assassínios, abuso sexual, misoginia, contando histórias a partir das perspectivas dos algozes; Pulmõesde 1982, o primeiro EP, trazia brindes como preservativos, dinheiro e pedaços de papel com sangue. E os Rapeman? Roubaram o nome a uma popular banda desenhada japonesa em que o protagonista passava o tempo a violar mulheres. Arrepender-se-ia de ter usado esse nome.

Nos Shellac, santíssima trindade de guitarra, baixo e bateria (e vozes, incluindo a de Albini), fundados em 1992, aprimorou a sua forma angulosa de tocar (ou atacar) as seis cordas, na linha do melhor rock pós-punk. Contava ele na mesma entrevista: “As minhas inspirações foram bandas como Wire, Gang of Four, Public Image Limited, Chrome, Pere Ubu… Criaram uma forma de tocar guitarra que fazia sentido para si mesmas, única. Não queria emular estas pessoas – apesar de haver um pouco de emulação”, diz. “O meu tocar guitarra é rudimentar. Não sou um guitarrista dotado, segundo uma perspectiva convencional, mas desenvolvi um vocabulário meu na guitarra, e isso satisfaz-me.”

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