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Portugal está “a alinhar com as narrativas desinformativas europeias” sobre imigrantes, alertam investigadores

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A desinformação e o discurso contra os imigrantes, que dominaram o debate em eleições na Europa, “ameaçam” chegar à campanha das eleições de 9 de junho, alertam os investigadores do MediaLab/ISCTE Gustavo Cardoso e José Moreno. Num dos debates, o de segunda-feiraa desinformação foi, aliás, tema de discussão.

“Os nossos produtores de informação estão a alinhar pela bitola europeia, onde a corrupção é um tema menor, apesar de estar presente”, quando comparado com outros e, neste momento, o tema principal “é a imigração”, afirmou o sociólogo Gustavo Cardoso, coordenador o MediaLab, um instituto de estudo de ciências da comunicação integrado no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.

Numa entrevista à agência Lusa sobre o projeto do MediaLab com a Comissão Nacional de Eleições para o período da campanha das europeias e a que a Lusa se associou, com o objetivo de detetar e prevenir eventuais notícias falsas até ao dia da votação, Gustavo Cardoso admite ser “uma infelicidade que assim seja”.

E tanto Cardoso como José Moreno, outro investigador do ISCTE, que estudam o fenómeno da desinformação em Portugal há vários anos, detetam mudanças: até agora, um dos temas prevalecentes em Portugal era a corrupção dos políticos, independentemente do partido a que pertencem.

“Estamos numas eleições verdadeiramente europeias se aceitarmos que esta é a primeira vez que estamos a falar a sério de desinformação sobre questões que têm a ver com imigrantes e, mais do que isso, a relação da imigração e o mundo muçulmano, o mundo do Islão”, afirmou ainda.

Agora, Portugal está “a alinhar com as narrativas desinformativas europeias”, o que também é explicado com a agenda política e mediática das últimas semanas e meses. As outras áreas em que se produziram mais ‘fake news’ e desinformação na União Europeia são a guerra na Ucrânia, o clima, a covid ou até questões do quotidiano, como a proibição do papel higiénico devido às alterações climáticas, ou a retirada do ar dos pacotes de batatas fritas.

Projeção na fachada da Galeria Nacional de Arte, sem Sófia, a apelar ao voto nas eleições europeias de junho próximo

NIKOLAY DOYCHINOV/AFP/Getty Images

Europeias 2024

“Nestas eleições, fruto também daquilo que foi a agenda noticiosa – porque estas coisas andam sempre a par – centrada nas questões da imigração, vimos lentamente o surgir da ideia deste discurso, do Islão e da imigração como um problema”, anotou José Moreno.

A agressão de imigrantes no Porto, no início de maio, “não são acontecimentos políticos, mas tiveram depois uma repercussão em notícia e o comentário de políticos”, como aconteceu com o líder do Chega, André Ventura, num encontro do Vox, em Espanha, há uma semana, segundo Gustavo Cardoso.

A explicação destas dinâmicas é dada pelo coordenador do MediaLab: “Quando as notícias verdadeiras e os atores políticos versam sobre um determinado tema isso cria uma maior propensão para a desinformação sobre esse tema crescer. Isso é óbvio por que as pessoas estão mais atentas, há mais possibilidade de ser partilhada.” Por outras palavras, a “desinformação procura sempre viajar às costas de alguma coisa que esteja a acontecer” e como “vive da partilha” nas redes sociais, então “as coisas tendem a explodir”.

Políticos deviam assumir “código ético”

Para prevenir a desinformação, Gustavo Cardoso considera que os partidos políticos deviam fazer uma espécie de “código ético” para prevenir a sua difusão pelos seus militantes em período eleitoral. “É um pouco a mesma coisa quando houve a crise [financeira] do Lehman Brothers [2008]em que houve a assunção de um código ético por parte dos gestores sobre práticas empresariais que não deviam ser praticadas.”

O investigador explica que este “código ético” podia ser um “convite da sociedade portuguesa aos partidos” para que estes “fizessem a pedagogia da não utilização de desinformação nas suas práticas perante os seus próprios militantes e os seus simpatizantes”.

Embora este seja apenas “um repto para a discussão”, Gustavo Cardoso está convencido de que em Portugal é preciso que haja esta “transversalidade” e que ela “até seria uma boa forma de tentar combater a polarização, uma vez que teriam todos que assumir essa mesma responsabilização perante a sociedade”.

Segundo o investigador, os partidos pequenos são menos vigilantes em relação a este tema, porque eventualmente têm mais a ganhar do que a perder, mas à medida que crescem preocupam-se mais com a dimensão desinformativa.

O que – assinala – não quer dizer que os partidos não deem visibilidade à desinformação, mas fazem-no de maneira “mais conscienciosa”: “estão a proteger-se melhor nesse campo e, portanto, tendem a não fazer uso disso, pelo menos de forma tão direta”. Para Gustavo Cardoso, o grande desafio para as democracias neste campo é que a desinformação não é feita na estrutura hierárquica dos partidos. “Os partidos nunca tiveram controlo sobre os seus militantes e esperam que estes se comportem segundo aquilo que são as regras que eles acordam e que praticam, mas depois ninguém pode ter controlo sobre dezenas de milhares de pessoas nas suas práticas”, afirma.

A prevenção da polarização é também sublinhada pelo investigador José Moreno, segundo o qual é este fenómeno nas redes sociais que depois desencadeia uma série de “comportamentos comunicativos” por parte dos militantes, que “amplificam umas coisas, ou mentem descaradamente sobre outras, ou manipulam imagens”.

“Os partidos sempre tiveram militantes e os militantes sempre foram ativos na defesa dos ideários dos seus partidos”, diz José Moreno, “a diferença agora é que todos os militantes têm acesso às redes para partilharemcomentarem, fazerem ‘like’ ou produzirem conteúdos” e, portanto, “se houver políticos que permanentemente estão a polarizar a situação e a acicatar os seus para atacar os outros, do outro lado”, o que acontece é que haverá “uma polarização completa em que ninguém fala com ninguém, em que toda a gente se digladia com toda a gente, e toda a gente recorre a tudo o que pode para combater o outro”.

Segundo o investigador, daqui resulta uma “maior responsabilização dos atores políticos”, que devem perceber que tipo de discurso devem ter para não polarizar ainda mais a sociedade.

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