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Ao estilo Eurovisão, um debate tipo concurso: Quem Quer Ser Presidente da Comissão Europeia?

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Depois dos intensos debates sobre a Eurovisão, teve lugar o Debate da Eurovisão, desta vez assumidamente político, a duas semanas das eleições europeias, nas quais milhões de cidadãos dos 27 Estados-Membros irão definir a composição do Parlamento Europeu. Este mesmo hemiciclo, aqui em Bruxelas, foi palco do segundo e último grande debate entre os principais candidatos a Presidente da Comissão, com cinco dos sete grupos políticos representados, numa transmissão para toda a Europa que não terá chegado, certamente, a todos os europeus. Para os que se encaixam nesta categoria, aqui fica uma breve contextualização, que não pretende substituir a visualização do mesmo.

A primeira pergunta que se impõe é: Porque temos um debate entre os candidatos a Presidente da Comissão? No dia 9 de junho, em Portugal, não vamos eleger diretamente um Presidente da Comissão Europeia, mas 21 eurodeputados que nos irão representar num Parlamento Europeu composto por 720 eurodeputados. Caberá ao Conselho Europeu, instituição onde se sentam os Chefes de Estado e de Governo dos Estados-Membros, propor um nome que terá depois de recolher o apoio de uma maioria absoluta dos deputados do Parlamento Europeu, para que seja eleito o Presidente da Comissão para um mandato de cinco anos.

Os Tratados definem que o Conselho Europeu deve ter em consideração os resultados eleitorais, um termo ambíguo que permite flexibilidade e incerteza. De forma a sanar alguma imprevisibilidade, teve origem em 2014 o processo do Spitzenkandidaten (candidato principal). Caberia assim aos grupos políticos indicarem o seu candidato a Presidente da Comissão Europeia, ainda antes das eleições, para aproximarem a escolha do Conselho Europeu da base parlamentar de apoio, aumentarem a transparência e a legitimidade democrática da Comissão.

Este processo nunca foi pacífico, mas produziu efeito em 2014 na eleição do Presidente Juncker. Em 2019, apesar das espectativas geradas, não atingiu o seu objetivo, tendo sido escolhido de forma surpreendente o nome da atual Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, ao invés do candidato Manfred Weber. Independentemente do desfecho deste ano, não creio que será desta que possamos aferir o enraizar deste processo, porque estamos perante uma possibilidade de reeleição para um segundo mandato.

Vamos então ao debate e a todos os seus contornos. Em primeiro lugar, devemos analisar o formato do mesmo e até a própria logística, muito diferente dos debates em Portugal, talvez mais semelhante à realidade americana de espetáculo político. O palco, montado no hemiciclo, era de grandes dimensões, com muitas luzes, música para embevecer o ambiente, cores para diferentes temas, público que podia aplaudir e ligações às capitais de vários países, ao bom estilo da Eurovisão.

Também o dinamismo foi diferente nestes 105 minutos. Os candidatos responderam a questões dos moderadores e de cidadãos no local e à distância, sobre seis áreas diferentes, em pequenos segmentos de 45 segundos. Cada candidato poderia utilizar três vezes uma espécie de joker para 30 segundos adicionais. Além disso, durante o debate os candidatos eram chamados a outra parte do palco para fazerem um apelo direto de um minuto aos eleitores, seguido de uma pequena entrevista de 3 minutos.

Os cinco candidatos eram respetivamente: Ursula von der Leyen (Alemanha), do Partido Popular Europeu (PPE), Nicolas Schmit (Luxemburgo), dos Socialistas e Democratas (S&D), Terry Reintke (Alemanha), dos Verdes Europeus; Sandro Gozi (Itália), do Renew Europe Now e Walter Baier (Áustria), da Esquerda Europeia. A tendência seria perguntar quem venceu o debate, talvez até pontuar com 12 pontos, mas não são possíveis respostas tão lineares.

A atual Presidente da Comissão era quem poderia ter mais a perder, pois é a favorita nesta corrida, não só por ser a incumbente, mas por ser expectável que o seu grupo político, o PPE, continue a ser o maior grupo do Parlamento Europeu. A candidata começou muito forte o debate, defendendo o legado que a sua comissão tem construído e tentando demonstrar ser conciliadora, apelando muito aos jovens e não deixando de abraçar nenhuma causa, desde as alterações climáticas até à solução dos dois Estados, condenando o Hamas e o desrespeito de Israel pelo Direito Internacional.

Ursula von der Leyen foi o foco, não exclusivo, dos vários candidatos, sobretudo nas questões das linhas vermelhas à sua direita, depois das suas declarações sobre o ECR, grupo dos Conservadores e Reformistas. Reafirmou que só trabalhará com força democráticas que respeitem o Estado de Direito, que sejam pró-Europa e pró-Ucrânia, afirmando categoricamente, em resposta ao moderador, que o partido de Giorgia Meloni é europeísta, algo que certamente ocupará muitos excertos em várias plataformas.

Em segundo plano, esteve o candidato Nicolas Schmit, daquela que se espera continuar a ser a segunda força política do Parlamento Europeu. Ao contrário da atual Presidente da Comissão, que teve um início forte e foi perdendo presença no debate, o candidato da família do Partido Socialista entrou hesitante e sem respostas claras, mas foi ganhando força com intervenções mais fortes sobre o apoio à Ucrânia, distanciando-se da sua esquerda, prometendo clareza e não a dita ambiguidade de von der Leyen sobre linhas vermelhas, pois no seu entender as duas forças não-democráticas no Parlamento Europeu são os partidos mais à direita, o ECR e o ID, frisando a declaração de Berlim.

Também Gozi foi muito visado sobre linhas vermelhas, pois a luzes vermelhas de promiscuidade nos Países Baixos com o partido de Geert Wilders (PVV, do grupo parlamentar ID) retiraram-lhe alguma pujança. Os liberais não conseguiram afastar a sombra dessa crítica, deixando essa questão para depois das eleições. Não obstante, o italiano, com uma presença mais descontraída, conseguiu vincar algumas das ideias do grupo a que pertence, demonstrando um posicionamento mais ao centro, a visão reformadora e liberal em quase toda a linha, assinalando a necessidade de uma maior despesa da União em várias áreas, nomeadamente com um euro a mais para a cultura e educação por cada euro a mais para a defesa.

Na ótica de reforma da União, curiosamente a eficiência foi invocada pela candidata dos Verdes, que defendeu um gasto mais eficiente dos fundos e o fim da necessidade de unanimidade em determinadas votações. Este grupo político também se assume como tendo um posicionamento pós-dicotomia esquerda/direita, ao contrário de alguns dos seus partidos nacionais. Em alguns momentos, parafraseando uma expressão ouvida noutro contexto, o grupo monocromático tornou-se monotemático, perdendo a densificação necessária nalguns temas, o que foi foi mais evidente no último: Inovação e Tecnologia. Noutros áreas, como o Clima e as Migrações, Terry Reintke esteve mais presente, ao abordar a reforma da PAC, o cumprimento do Green Deal e as missões de busca e salvamento no Mediterrâneo.

Por fim, o candidato mais à Esquerda foi o candidato que mais dificuldade teve em afirmar o seu discurso, apesar do seu grupo político ser o mais discordante em palco. Como seria de esperar, as intervenções foram muito focadas na justiça social, direitos dos trabalhadores, na crítica dos maiores gastos na defesa, na instrumentalização da palavra paz sobre a Ucrânia e no apoio à Palestina. Na sua apresentação antes da entrevista individual, foi mencionado que a sua frase favorita era da canção “Grândola, Vila Morena”. Depois do debate tive a oportunidade de perguntar a Walter Baier a razão desta escolha. O candidato assumiu a sua admiração pelo nosso país, mencionando que esteve presente na descida da Avenida de Liberdade com o Bloco de Esquerda no 25 de Abril, e que a Canção de Zeca Afonso marcava o fim de um longo autoritarismo.

Em suma, foi um debate interessante pelo seu formato mais dinâmico, mas que também não permitiu uma grande densificação das suas ideias nas curtas intervenções. O controlo ordeiro do uso da palavra favorece a clareza, porém não possibilita um maior confronto de ideias, que por vezes estimula um debate mais profundo. Dificilmente o sentido de voto de muitos eleitores terá sido alterado, mas a familiarização com a verdadeira política europeia pode ter saído reforçada, bem como a coerência e correspondência dos partidos nacionais com os seus grupos políticos europeus.

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