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A torto e à Direita: na união dos populistas, estes são os temas que deixam os ultraconservadores às turras

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No meu último artigo aproveitei para esmiuçar as divergências, dissidências e divisões dentro da direita radical a propósito de um comício de união conservadora europeia que decorreu em Madrid. A união faz a força e para cumprir o ditado, o Vox recebeu os seus aliados europeus e internacionais para um longo simpósio de afirmação da força da direita radical na antecâmara das eleições europeias. Uma espécie de Eurovisão com cortina de ferro, ou uma Jornada Mundial da Juventude, se os intervenientes ao invés do celibato fossem obrigados a procriar até poderem escalar uma equipa de futsal (com suplentes).

As quatro horas de convívio contaram com participações de vários intervenientes, desde assessores que trabalharam com Trump na campanha que o coroou presidente em 2017, passando pelos líderes de partidos conservadores dessa Europa fora – incluindo André Ventura – e a terminar com a apoteose de Javier Milei, presidente argentino. Os momentos de júbilo da audiência foram recorrentes e bastante padronizados, divergindo pouco de discurso para discurso, o que nos convém como barómetro para identificar as causas que são transversais a todos estes partidos. Sabendo estas causas comuns também compreendemos as clivagens entre eles.

Clivagens fundamentais que são o objeto deste artigo num momento em que alguns dos partidos ali presentes terão de escolher entre as duas famílias políticas mais conservadoras da Europa, a ECR (Reformistas e Conservadores Europeus) e a ID (Identidade e Democracia) e em introspeção partidária, assumirem que, afinal, a diversidade que tanto abominam também vive dentro deles.

O que os une é claro: A guerra cultural contra um inimigo comum, o “comunismo”, o “socialismo” e a “cultura woke”, é a força motriz por detrás desta associação. Pelo menos, a julgar pelas temáticas que colheram mais aplausos do público presente. Não é por acaso que a ordem dos discursos do comício principal principiou com os convidados envolvidos na política do outro lado do Atlântico. Nada tem mais encanto do que ouvir alguém a dissertar sobre como se travam as batalhas culturais nos EUA, na primeira pessoa. Foi uma entrada triunfal para explorar os fantasmas da população europeia que ali se encontrava.

No fundo, todas as causas que levaram ao que a direita conservadora considera o estado decrépito da União Europeia não cabiam nestas páginas. Portanto, para simplificar a tarefa, o fantasma do Rei Hamlet destes líderes de direita promete vingança contra aqueles que os atormentam há séculos – o comunismo. Agora experimentem dizer isto com gritos, vaias e a bater no peito. Tem muito mais impacto. Para alguns outros discursistas que por ali passaram, a fonte de todos os males é o socialismo, mas estou em crer que, erradamente, aplicam o mesmo conceito teórico a ambos os termos para os poderem intercalar e, assim, não terem um discurso tão repetitivo. Por outro lado, a igualdade de direitos e a igualdade económica são ideais políticos muito diferentes e, não raras vezes, conflituais.

Para além disso, se o comunismo flui nas instituições como o rio de envenenamento doutrinal das crianças nas escolas, segundo os intervenientes, todos os outros movimentos ligados ao que intitulam de ideologia woke constituem os afluentes que afogam os valores de Pátria, Deus e Família. O único problema que todos estes partidos precisam de resolver antes ou depois das eleições europeias é que o ethos de modelo tradicional de família não é um projeto político e todos escolheram ignorá-lo neste comício. Na temática dos fantasmas, os partidos reunidos em Madrid “deram ghost” àquilo que diverge dentro das suas próprias ideologias. Um dia depois do comício, o líder da AfD, ressentido por não ter sido convidado, recusou-se a considerar todos os membros das SS como criminosos e abriu a caixa de Pandora das diferenças políticas, fiscais e bélicas entre estes partidos. Le Pen apressou-se a condenar este discurso, indignou-se e demarcou-se daquela que tem sido a sua família política em comum com a AfD, a Identidade e Democracia.

Esta tendência para a direita radical se unir num conluio que tenta fazer parecer que está mais perto da “direita fofinha” do que das soluções autoritárias doutros tempos, ganhou corpo com o convite da Frente Nacional de Le Pen, que propôs uma união das duas famílias políticas de direita conservadora, a ERC e a ID, à primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, líder da ERC. Ora, Ursula Van der Leyen, atual presidente da Comissão Europeia e membro do Partido Popular Europeu, a família partidária do centro-direita, já se tinha predisposto, um pouco antes, a contar com o apoio de Meloni para formar uma coligação que garantisse uma maioria no Parlamento Europeu formada por PPE e ECR. Nesta dança das direitas europeias resta uma certeza – de ideologias que se caracterizam pelo patriotismo e/ou nacionalismo exacerbado, nunca sairá o mesmo produto. Nações distintas, projetos políticos distintos. Portanto, agora cabe a Meloni resolver esta Burrata institucional.

Se tivesse de adivinhar, diria que Meloni, neste momento, estará mais perto do centro-direita do que da ID. Há uma costela europeísta na líder dos Fratelli d’Itália que tem contribuído para agudizar a sua relação interna com Salvini, o seu parceiro de coligação, líder da Lega, partido eurocético e influente dentro da ID. No entanto, Meloni também não tem pudores de se apresentar junto de outros líderes antieuropeístas e acicatar as suas opiniões, como aconteceu com Viktor Órban, no comício da semana que agora findou. Esta bipolaridade da direita radical europeia não fica por aqui. Se as visões dicotómicas para o futuro da UE já são tema fraturante, o que dizer do próprio modelo de Estado ou da guerra na Ucrânia?

Não será difícil recuar ao tempo das últimas legislativas para que ouvíssemos quase em simultâneo o Chega a assumir que seria o Estado o fiador parcial dos imóveis adquiridos pelos jovens, enquanto Rita Matias citava Javier Milei, grande amigo do seu partido. Amigos da onça. Apenas no papel do conservadorismo social, porque, em boa da verdade, estão quase nos antípodas ao nível do modelo político. No comício, Javier Milei, no alto da sua eloquência, deu uma aula de teoria económica digna de um Chicago Boy, para gaudio do líder do Vox. A ultraliberalização da economia como o desígnio para a liberdade. A erosão total do Estado, a sanguessuga que, no seu entender, perpetuou o peronismo e o kirchnerismo.

Em Portugal, o Chega tem uma proposta estatizante, de intervenção estatal na economia, ou de apoios estatais em vários setores, bem diferente daquela que Milei preconiza na Argentina.

Não se pode ter, ao mesmo tempo, um Estado fiador e a ultraliberalização. Se se defende as duas em simultâneo só fica o populismo. Dentro da Europa há muitos tipos de populistas, uns quantos que só defendem a proteção social por via do Estado e uns outros tantos que acreditam no ultraliberalismo e, de alguma forma, apregoam que são todos iguais, todos sob a égide da direita radical. Esquecem-se que não há uma só doutrina da direita radical quanto ao euroceticismo, não há uma só direita radical para economia de Estado e, talvez mais gravoso para a União Europeia neste momento, não há uma só direita radical quanto à guerra da Ucrânia.

Enquanto a maioria dos partidos da ECR defende a soberania do estado ucraniano, há várias configurações possíveis e díspares para uma solução do conflito. O esforço para um cessar-fogo imediato, mesmo que isso implique concessões injustas ao governo de Putin, o reforço da ajuda militar à Ucrânia com apoio infraestrutural e, no caso de alguns partidos, até mesmo de recursos humanos, com militares no terreno. Ou ainda, se nos deslocarmos um pouco mais para a direita no hemiciclo europeu, damos de caras com os partidos que estão mais próximos do Kremlin e se recusam a condenar a invasão russa.

Apesar do papel pífio da União Europeia para alcançar o cessar-fogo nos últimos dois anos, dificilmente se confundem os dois lados das trincheiras, aqueles do lado do PPE (e a maior parcela do ERC) que têm reiterado o apoio à Ucrânia e, do outro lado, a posição titubeante da ID na questão bélica, que tem um reflexo quase a papel vegetal nas questões do conflito entre Israel e a Palestina. Meloni está agora em No Man’s Land e a escolha da trincheira onde se quer abrigar irá definir o futuro dos grupos partidários europeus de direita no próximo mandato.

Sabendo que na tríade Lisboa – Bruxelas – Kiev, a ponte para unir a direita moderada da direita radical precisará de muito cimento para consolidar ideais que, na teoria, estão bastante distantes. Se quiser ligar a direita radical à direita ultrarradical, talvez a distância seja mais curta, mas o cimento que se poupa ao encurtar o tamanho das pontes servirá para tapar os buracos da discórdia entre os dois grupos. O único problema é que, neste momento, nem o próprio eleitor conseguiu perceber os quadrantes em que cada partido nacional se encontra. Para capitalizar os votos da população mais conservadora, todos os líderes políticos têm sacudido a água do capote das questões fraturantes. Usam e abusam da narrativa do controlo das fronteiras, que é quase consensual entre todos eles, com poucos fatores de discórdia sobre a imigração. Quando forem eleitos, e a perspetiva é que se mantenham crescimento acentuado, chegará a hora de fazer política e o eleitor merece saber onde se senta o partido no qual deposita o seu voto.

Se numa bancada que acredita na reforma da União Europeia ou advoga a sua dissolução,se numa bancada que dá a mão à mão invisível do mercado a caminho do ultraliberalismo de Milei ou um modelo nacionalista protecionista, se numa bancada que zela pelos invadidos ou pelos invasores. Enquanto se evadirem destas questões não se poderão apelidar de securitários, nem radicais, nem liberais, nem protecionistas, serão apenas conservadores – e o conservadorismo, tal como o progressismo, não é novo, não é disruptivo, nem implica uma união das direitas diferente das coligações predecessoras. Se não vier acompanhado de um projeto político concertado para o futuro da UE, continua a ser um voto no desconhecido, precisamente o maior medo das fações conservadoras da sociedade.

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