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As Causas. Aspiracionais ou resignados?

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Muitas vezes factos e situações diferentes só podem ser bem entendidas se forem analisados em conjunto.

É o caso das medidas fiscais de apoio aos menores de 35 anos, da prevista redução do IRC e do IRS e do resultado das eleições na Madeira no passado domingo.

No centro desta reflexão conjunta vai estar um tema clássico, que justificou milhares de páginas e de horas de ensino e de debates.

Estou a falar na tensão entre posições aspiracionais e reflexos de resignação.

IRS JOVEM: POLÍTICA PÚBLICA

Comecemos pelas medidas de apoio aos menores de 35, que provocaram basicamente dois tipos de crítica: (i) por que não ser aplicada também a todos ou, ao menos, aos menores de 40 ou 45 anos, (ii) por que motivo aplicar a quase todos os que têm menos de 35 anos, ainda que estejam no 8º escalão do IRS e, por isso, ganhem no limite superior € 81199 brutos por ano (€ 5800 brutos por mês).

A fiscalidade – desde que o Mundo é Mundo – é um instrumento estratégico e de ação política. Entre outros exemplos, veja-se:

  1. o não englobamento de rendimentos prediais no IRS,
  2. a tributação reduzida para estrangeiros que se tornem residentes não habituais,
  3. as isenções ou reduções fiscais para grandes investimentos estruturantes,
  4. a redução do IVA para certos produtos,
  5. a redução do IRC para certas regiões ou para menores rendimentos.

Por isso, a opção que agora se analisa pretende claramente (reduzir com essas medidas um milhar de milhão de euros por ano de impostos não permite dúvidas) beneficiar os menores de 35 anos como política pública.

Esta opção é tão discutível como qualquer outra, mas ao menos enfrenta um problema em relação ao qual há consenso em Portugal: a geração mais qualificada de sempre emigra muito e está limitada no seu crescimento por um arsenal de medidas públicas (incluindo legais) que beneficiam os mais velhos.

Como é óbvio, esta política visa abranger o talento jovem. Por isso dirige-se, sem estados de alma, a uma geração que pode ir ganhar fora de Portugal 60 a 120 mil euros por ano e pagar menos impostos sobre o rendimento. Se não for aplicável até ao 8º escalão vai servir de pouco.

A grande questão é, pois, política: por exemplo, como vai reagir quem esteja no 5º escalão (€ 1939 brutos por mês no limite máximo), no 6º escalão (€ 2842 brutos por mês no limite máximo) ou no 7º escalão (€ 3714 brutos por mês no limite máximo), e as suas famílias?

  1. De uma forma aspiracional (“vou esforçar-me mais/não vou emigrar, o meu rendimento vai aumentar e no futuro vai valer ainda mais a pena”)? Ou
  2. De forma resignada (“nunca vou chegar lá, prefiro que não deem vantagem a quem ganhe mais do que eu”)?

É tão simples como isto. E algo semelhante acontece com o IRC.

MENOS IRC E IRS: VISÃO ASPIRACIONAL

“O impacto do IRC na economia portuguesa” é um estudo da FFMS (acessível no site), coordenado pelo professor da Nova Business School Pedro Brinca, que demonstra o elevado efeito positivo da redução do IRC no desenvolvimento económico, aumentando o PIB no curto e médio prazo e os salários reais.

No mesmo sentido (e abrangendo também o IRS), “Por uma verdadeira reforma fiscal”, um estudo da SEDES (acessível no site), coordenado pelo professor da Faculdade de Economia do Porto, Carlos F. Alves, e pelo antigo ministro da Economia, Carlos Tavares, que propõe uma mudança profunda do nosso sistema fiscal.

Aqui a crítica é basicamente que (i) baixar o IRC é ajudar o “patrocínio” e (ii) beneficia apenas grandes grupos econômicos.

Como é óbvio, assim como com o IRS sobre trabalhadores que se pretende também reduzir mais, quem paga economicamente estes impostos sobre os rendimentos somos todos nós, porque todos os impostos se repercutem no preço de venda dos produtos, e por isso no preço está embutido a margem bruta (e nela a margem líquida) que o produtor espera obter. Havendo concorrência, beneficiamos todos com isso.

Mas, de novo, a questão é entre uma visão aspiracional e uma visão resignada.

Quem tenha uma visão aspiracional e for empresário, favorece a redução do IRC, mesmo que não esteja no escalão mais elevado e do IRS mesmo que pague pouco, mas quem for resignado (e sem literacia financeira) prefere que se mantenham elevados todos os impostos que sejam pagos por quem tenha mais rendimentos do que o resignado.

E para todos nós cidadãos-consumidores, a resignação (sempre pessimista e até um pouco depressiva) leva a desvalorizar o efeito da redução do IRC no crescimento económico, na diminuição da fraude fiscal, na entrada de novos jogadoras no mercado e no aumento da concorrência, além de não se acreditar que isso provoque maior procura de trabalhadores e subida de remunerações.

Pelo contrário, para cidadãos-consumidores com uma visão aspiracional, a redução do IRC é considerada positiva pelas razões em que os resignados não acreditam.

FAZER CLASSE MÉDIA

No fundo do que se trata aqui é de querer reforçar a classe média, o que é essencial para quem tem visões políticas moderadas, mas é olhado com preocupação pelos radicais e pelos que no fundo gostariam que os rendimentos fossem todos nivelados, seja qual for a função e a qualidade e dedicação do profissional.

Em Portugal, de acordo com certos modelos, a classe média seria formada pelos que ganham entre € 1125 e € 3000 por mês, antes de impostos e segurança social, o que significa que seria de classe alta (ou seja, rico) quem ganhe líquido por ano mais de € 21600.

Isto não é classe média, mas exprime o gravíssimo problema que analiso hoje.

Pior, como Pedro Brinca explicou numa entrevista, um cidadão que ganhe o dobro desse valor líquido (€ 45 000 por ano) não consegue suportar o empréstimo para comprar um apartamento de 80m2 na Amadora… e o seu rendimento bruto já o coloca no 9º escalão do IRS!

A Democracia e a Liberdade formaram-se inicialmente na Europa muito à volta da existência da propriedade privada e da independência em relação ao Poder Político. E no século XXI continua a ser verdade: onde não há classes médias sólidas, seguras de si, com pensamento aspiracional, as liberdades enfraquecem e a democracia acaba a ser instrumentalizada pelos populismos.

Portugal tem um grave problema, que poucas pessoas ousam afirmar: o salário mínimo – sobretudo depois do incremento de rendimentos resultantes em dinheiro ou em espécie de políticas redistributivas – está cada vez mais colado ao salário médio.

E a força política dos menos favorecidos resignados joga contra as estratégias favoráveis às classes médias.

Por isso considero um desígnio nacional fazer classe média.

E nesse sentido será uma questão política nuclear o que acontecer com as políticas fiscais para jovens, a redução do IRC e a redução do IRS para as classes médias (que estão nos escalões 6º a 8º do IRS (rendimento mensal bruto antes de impostos de € 2800 a € 5800).

Mas não tenhamos ilusões, se não crescer a dimensão dos que têm uma visão aspiracional, isso acabará por não ser possível. E o resultado será um país cada vez próximo do 3º Mundo.

Mas vamos então à eleição na Madeira.

PNS É ASPIRACIONAL?

O primeiro resultado da eleição é que se tornou praticamente impossível que o PS vote contra o Orçamento no próximo Outono: a Madeira confirma que os votos que possam ser perdidos em eleição legislativa pela AD não se deslocarão para o PS e para os três partidos radicais de Esquerda em medida suficiente para que cresça de 92 para 116 o número de deputados da nova geringonça (26% de aumento).

É que o PS, o BE, o PCP e o Livre tiveram uma enorme derrota no domingo: de setembro de 2023 para agora perderam mais de 15% dos deputados, e o PS passou de 28.844 para 28.981 votos, um crescimento de apenas 137 votos, tendo a votação total aumentado em 496 votos.

E isto aconteceu na pior conjuntura possível para o PSD, liderado por quem não fazia minimamente um consenso interno nos laranjinhas e está afetado por questões de Justiça.

Dir-se-á que PNS é aspiracional e não resignado.

Realmente só uma pessoa assim poderia não reconhecer a derrota do PS na Madeira, destacar o “pior resultado de sempre do PSD”, enfatizar que o PS “teve mais votos do que nas eleições anteriores” (e realmente teve: subiu 0,004%, o que corresponde a mais 137 votos).

Sendo assim, PNS pode achar que se chumbar o Orçamento a Esquerda irá crescer 26% em eleições legislativas no início de 2025, depois de ter perdido até hoje 3 eleições e o PS 4 em 8 meses.

Mas vai haver quem no PS lhe diga “é bom ser aspiracional, mas convém não exagerar”, a começar pelos autarcas com eleições no próximo ano.

Mas, como se isso tudo não bastasse, os partidos populistas (JPP e CHEGA) subiram de 9 para 13 deputados (crescimento de 44,4%) e a votação destes partidos cresceu 31,6% em 8 meses.

Foi uma vitória esmagadora do JPP, pois o CHEGA teve apenas mais 513 votos e manteve o número de deputados.

O que é um duplo sinal para o CHEGA: ser populista é hoje dia (infelizmente, digo eu) um excelente trunfo, mas pode não durar sempre, ou porque a atmosfera política muda ou porque lhe aparece concorrência, que pode vir a ser o ADN se monopolizar o voto evangélico.

O PSD, pelo seu lado, resistiu e ganhou as eleições, também porque viu os seus rivais à Direita a não crescer (o IL até baixou 83 votos). Mas, com o CDS, perdeu 3912 votos que foram praticamente todos para o JPP.

Se a resistência na Madeira pode tranquilizar Montenegro quanto ao Orçamento, também revela que é muito porosa a fronteira com os populistas.

E o CHEGA, sendo um partido incremental, seguramente que veria com bons olhos eleições antecipadas e por isso é para mim evidente que não vai votar a favor do Orçamento, nem que Montenegro convença o Presidente a dar a Ventura a Torre Espada (condecoração que não por acaso se chama “de Valor, Lealdade e Mérito”).

O ELOGIO

AVolodymyr Zelensky, hoje em Portugal. Seja o que for o futuro, reforçou a entidade nacional ucraniana como só uma guerra de resistência a um invasor consegue.

Entrou na galeria dos heróis nacionais (na Europa os últimos de que me lembro foram Churchill e De Gaulle) e permitiu um sobressalto europeu que a História talvez confirme ter sido uma estrutura do projeto nacionalitário europeu em que acredito.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Esta semana a obra camoniana de Jorge de Sena, de que a Guerra e Paz edita 4 livros. Um deles é “O pensamento de Camões”, mas também sugiro “Os Lusíadas e a Visão Herética”. Todos eles textos curtos de um clássico a escrever sobre outro.

E já que falo de poetas e de clássicos, leiam “Biografia de Sophia de Mello Breyner” (D. Quixote), de Isabel Nery. Para mim ela foi a figura cimeira da poesia lusa da segunda metade do Século XX.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

Li há dias no Expresso que o aeroporto de Beja, nos primeiros três meses do ano, conseguiu a proeza de ter 53 passageiros.

Apesar disso, o Presidente da Câmara de Beja, o socialista Paulo Arsénio, talvez entusiasmado pelo facto da cantora Taylor Swift aí ter desembarcado há dias, defendeu que são “necessárias obras de ampliação do aeroporto local para que possa apoiar Lisboa e receber mais voos”.

A pergunta: estava a gozar com o seu secretário-geral PNS ou a falar a sério?

A LOUCURA MANSA

Lê-se e não se acredita. Segundo li no Correio da Manhã, uma professora numa escola de 1º ciclo em Chelas, num documento interno mencionou uma aluna que não falava português referindo a sua nacionalidade, e isso provocou que lhe fosse aberto um processo disciplinar.

À cautela, o CM identifica a estudante como “oriunda de um país do Interior da Ásia”. Faz-me lembrar – em muito pior – a recusa dos jornais ainda nos anos 80 em escrever o nome de empresas (poderia, por exemplo, ler-se “uma empresa do setor da construção ganhou um concurso para construir uma fábrica para uma empresa industrial”) pois isso seria apoiar o capitalismo ou criar suspeitas de publicidade…

Mas nos jornais, ao menos, não se abriam processos disciplinares a quem ousasse … ser jornalista!

Fuente

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