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Car@s camarad@s, querem mesmo falar de racismo?

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Foi esta senha a que atravessou o debate político dos últimos dias. O PS, o partido da liberdade que a seguir ao 25 de novembro garantiu que o Partido Comunista Português, o ente marxista-leninista que nunca negou o estalinismo, não fosse ilegalizado, indiciou, por desatenção ou erro de linguagem, uma tentativa de limitar o uso da palavra no plenário da Assembleia da República.

Questionando Aguiar Branco sobre o que o Parlamento pode permitir, faltaram a este duas palavras – não deve –, mas ao Presidente da AR não cumpre, nos termos regimentais, censurar para além de uma voluntária chamada de atenção.

O racismo, a xenofobia e o misoginia, que o Chega tem nas suas matriz e agenda, e que importa combater sem tréguas, também atravessa, em diversas matizes, todos os restantes forças políticas. Não vale a pena negá-lo. E a falta de atenção a estes problemas, por parte dos partidos democráticos, vai fazer deles os temas-bomba desta e das próximas legislaturas se nada for feito.

Gostaria que não nos ficássemos só pelo que se considera ser racismo ou xenofobia. Que fossemos mais longe no debate sobre o oligarquismo e sobre o servilismo que estão a recrudescer em Portugal, chagas que as direitas aceitam e que as esquerdas deslembram permanentemente.

O PS já teve deputados que tinham uma função central na ligação às comunidades imigrantes. Lembro-me da ação de José Leitão, depois de Celeste Correia e, mais recentemente, de Romualda Fernandes. Porém, nunca foi um partido suficientemente aberto às pessoas que recebemos, nem, pelo menos, às brasileiras e africanas que sempre conviveram connosco. Nesta legislatura, o PS nem sequer tem alguém que trate do tema da imigração conhecendo-o por dentro, mesmo com os esforços de Elza Pais e do seu departamento.

Mas não é só no Parlamento que se nota a ausência de atenção do PS aos imigrantes. Não é por falta de interesse destes, não é por não existirem centenas nas listas de militantes, é só porque o tal elitismo de que atrás falei, não permite que se tenha a paciência para ouvir como deve ser, de ajudar como importa, de incorporar pessoas dessas comunidades nas nossas listas a todos os níveis. Andamos de debate em debate, de conferência em conferência, sempre com as mesmas pessoas. Usamos as redes sociais sempre para os nossos “amigos”. Quase deixamos de fazer política de rua, de contacto, de sorriso e de empatia fora dos atos eleitorais. O mundo não é o caminho entre o Largo do Rato, o Palácio de São Bento e os nossos grupos fechados de próximos que, não raras vezes, nem sequer são do PS.

Estamos em campanha para as eleições europeias. Temos na agenda o grande problema das migrações que vai obrigar a Europa a decisões graves, mas o PS não teve, até hoje, qualquer ação pública de grande alcance que permitisse ouvir a realidade difícil de quem escolheu Portugal para viver.

O problema do PS não é só ao nível interno, é, também, ao nível da iniciativa política. Se há área onde seria muito relevante um grande acordo entre o PS e o PSD, é mesmo na imigração. Ter uma visão humanista do problema, como o Papa Francisco vem reclamando, é o que se impõe. Não raro se ouve dizer que a mão de obra imigrante é essencial para a economia, mas esse argumento é tratar os que chegam como mercadoria e não como seres como nós. Foi essencialmente isso que Ana Catarina Mendes tentou dizer/fazer nos últimos dois anos.

Ao Partido Socialista não basta quando afirma que “ao discurso racista, ao discurso xenófobo é preciso dar combate diário”. O PS obriga-se, com urgência, a uma reanálise da existência e funcionamento da AIMA com uma solução rápida para os mais de 300 mil processos em atraso; a uma atenção dos municípios, com apoio nacional, para os sem-abrigo e os deambulantes que estão a criar uma situação muito difícil e potencialmente perigosa em muitos concelhos; a uma linha de contacto com as religiões, permitindo o acolhimento com mais dignidade; a uma reformulação dos Gabinetes da Emigração municipais, alargando o seu universo; a uma verdadeira ação de disponibilização de ensino do português em conjunto com as juntas de freguesia e os agrupamentos de escolas; a uma determinação de médio prazo da mão de obra em conjunto com os setores económicos carentes; a uma maior atenção e intervenção, por parte das polícias, impedindo o uso do trabalho indigno ou escravo; a uma visão de integração cultural que promova a inclusão nas comunidades que recebem. Tudo isto é campo de trabalho que deve levar a iniciativas legislativas que o PS deve ter para amanhã, como deve ter, durante um mês inteiro e a cada ano, análises distritais, encontros nacionais, reuniões de especialistas, audição de autarcas e de confissões religiosas.

E há três campos onde é ainda mais urgente agir. Nas creches e infantários, onde se nada fizermos, podemos estar a criar a geração mais radical da nossa história, como afirma Eduardo Sá; nas escolas do básico, secundário e superior, com grandes campanhas e com intolerância aos prevaricadores; no desporto, de onde pode chegar a mensagem com mais alcance; na comunicação social com campanhas de massas verdadeiramente penetrantes e amplamente difundidas. Precisamos, com pressa, de construir “uma sociedade intercultural de integração”, como nos incita Tolentino de Mendonça.

A imigração em Portugal é ainda muito diferente da dos países do centro e do norte da Europa. Os cidadãos de territórios irmãos, onde se fala português, são aproximadamente 60% do total dos documentados e com pedido de documentação. Por incrível que pareça, aproximadamente 25% são oriundos de países europeus, sabendo-se que as maiores comunidades são a ucraniana, a francesa e a inglesa. Só os restantes são de universos não europeus e não “lusófonos”.

Conhecendo-se esta realidade, interessa atacar, com tempo, a ideia de que a imigração está a pôr em causa a nossa “matriz ocidental”, o que nem se pode comprovar, sequer, em países onde a “chamada islamização” é mais sentida.

Há, ainda, um problema que o meio século de democracia não resolveu – o ensino da História. Se olharmos para todos os programas escolares continuamos a ter uma visão eurocêntrica, uma supremacia cultural do ocidente, uma integração global sem se ter a visão do outro, o que já la estava quando os europeus chegaram. A diáspora humana a partir de África está ausente. É exatamente por isso, que a China se está a afirmar como nunca, que o Império do Meio regressa para dar voz aos “explorados”. Olhar a mais recente publicação, em banda desenha, pela RTP, da Carta de Pero Vaz de Caminha, é perceber que continuamos a tratar da nossa ida pelos mares negando a realidade de quem já habitava nos terrenos aportados. Isto para não falar dos conteúdos acéfalos que estão no site institucional do Instituto Camões…

A escravatura é tema que ninguém quer tratar, mas que não pode ser mais esquecido. Dizem que quando os portugueses começaram o comércio intercontinental de escravos já essa prática existia há séculos. É verdade! Mas não foram os “Descobrimentos” prosseguidos com base num “levar de civilização” aos “indígenas”? Que “civilização” foi essa? Não assumirmos a nossa responsabilidade é mesmo manter a base necessária para continuarmos a aceitar o racismo.

Importa agir mais do que falar. Importa ter um PS mais aberto, mais inclusivo; importa estar disponível para tratar o problema da imigração com mais centralidade; importa dar a conhecer a realidade dos que estão em Portugal vindos de outros países; importa atacar o discurso racista e xenófobo pela raiz sem pôr em causa a liberdade de expressão de quem quer que seja. Daniel Innerarity, no seu extraordinário texto publicado na passada semana no “O país”pode ajudar as almas mais carentes.

As proclamações são típicas dos partidos da contestação. Apresentar soluções e resolver problemas é obrigação do partido que é a única alternativa de Governo. Jogar na berraria é perder, sempre!

E, já agora, que não haja dirigentes nacionais a dizer, sobre as nossas relações com as nossas antigas colónias, que há questões que devem ficar na História. A desresponsabilização de Portugal, num ponderado processo de reparação de séculos de invasão, não pode ser aceitável num partido com a importância e a história do PS.

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