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As Causas: Internacional ou a Ode à Alegria?*

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Na passada semana ousei fazer previsões para a eleição de domingo. Admiti até que poderia estar a arriscar “ir sozinho para o pelotão de fuzilamento, que se levantará do chão para me estigmatizar, se eu falhar”.

AS PREVISÕES DO RESULTADO E ALGUMAS CURIOSIDADES

Eram cinco as previsões e falhei em duas: (i) apenas dois pequenos partidos de esquerda radical elegeram um deputado e não os três, como eu previra, e (ii) o CHEGA não elegeu três deputados, como eu ousara prever, mas apenas dois. Devido a isso, a vitória do PS sobre a AD foi 8-7 e não 7-6, como antecipara.

Acho que acabei por me safar apenas com algumas escoriações. Mas é curioso que o LIVRE não elegeu apenas por 15 000 votos (10% do seu total), mas se tivesse mais 15 000 votos tirados ao BE e ao PCP em partes iguais, seria possível que nenhum dos três elegesse nenhum deputado. Se tivesse sido assim, realmente merecia o pelotão de fuzilamento …

Mas – talvez para me agradar… – o Deus dos Pequenos Partidos não ficou indiferente e a Esquerda radical teve sorte, na sua grande derrota: Votaram 3.945.892 portugueses, e excluindo brancos e nulos fomos 3.878.811 às urnas. Se excluirmos também todos os votos que nada elegeram (com exceção do LIVRE) e que foram 144.740 o resultado é 3.734.021, o que corresponde a 177.810 votantes para garantir com segurança cada eleito, valor superior ao alcançado pelo BE (167.721) e pelo PCP (162.651). Uma pequena redução de 7500 em cada a favor do LIVRE (que passaria então para 163.029) seria talvez suficiente para que todos ficassem abaixo da linha de água.

Seja como for, o partido mais eficaz foi o PS (4.07% por cada deputado), seguido do PCP (4,18%) e do BE (4,31%) Os menos eficazes foram o CHEGA (5%), a IL (4,6%), a AD (4,6%). Ou seja, a Direita subsidiou a Esquerda.

Outra curiosidade é que a Esquerda recuperou em relação à Direita desde as legislativas de março: a relação era 53,44% vs 41,64% favorável à Direita e passou a ser 51,4% vs 45,5%. O que tem uma tripla vantagem: (i) não chega para animar o PS a deitar abaixo o Governo, (ii) assusta um pouco o CHEGA, e (iii) não dá vento nas velas aos que na AD sonhassem com uma derrota no Orçamento e eleições antecipadas. Tudo sinais a favor da estabilidade. Tudo conforme eu venho prevendo desde março: o Orçamento vai passar no final do ano e teremos governo pelo menos até daqui a dois anos.

Também é curiosa a redução dos brancos e nulos, que foram apenas 2% (em 2019 tinham sido 4,9% e e nas legislativas em março chegaram a 4,3%). Não sei as razões, mas talvez seja apenas o resultado de feriados que afastaram mais para a abstenção quem só vota por razão de Cidadania não se revendo na oferta partidária.

Última curiosidade: o ADN (1,37%) parece que veio para ficar como uma espécie de micropartido à Direita. Já não terá o apoio da bancada evangélica, que segundo me disseram fez um acordo com o PPM. Mas vai continuar a fazer perder votos à Direita, até pela semelhança do nome com o da AD.

Mas deixemos as curiosidades e vamos ao que importa.

A DERROCADA DO CHEGA E O RESTO

O fator político mais relevante em Portugal, para além da queda da Esquerda radical (cuja força se reduz cada vez à bolha mediática, o que lhe permite marcar a agenda política muito para além dos 500 000 votantes que mobiliza), é sobretudo a queda do CHEGA que perdeu em três meses quase 800 000 votos e passou de 18,07% para 9,79%.

Uma queda desta dimensão não tem só uma explicação. As principais parecem-me ser:

a) Não se vota no CHEGA, mas em André Ventura, que não era candidato;

b) Tanger Correia era um mau candidato;

c) Os abstencionistas que foram votar em março, desinteressaram-se em repetir o voto de protesto;

d) A estratégia de aliança objetiva com o PS afastou eleitores desiludidos que acharam em março que a AD não era suficientemente clara contra o PS e tinham optado pelo CHEGA;

e) A viabilização do governo AD nos Açores e da eleição do presidente da assembleia regional na Madeira irritou os mais radicais.

Tudo isto existe, mas na realidade só interessa o que Ventura achar. Os sinais vão começar por ser confusos, mas (deixem-me adivinhar) seguirão a linha da Direita Radical na Europa, que tudo indica não ir partilhar o Poder com o bloco em que se revêm a AD, o PS e a IL o qual deverá continuar a mandar, no essencial.

Por isso é provável que o CHEGA não modere o seu discurso, mas acabe a lua de mel com o PS que andou a ensaiar (não para casar, mas para uns fins de semana…), não se preocupando em gerar impasses (veja-se o agora anunciado voto contra o programa de governo na Madeira) e provavelmente deixando claramente ao PS a maçada de salvar o Orçamento.

Ou seja, Ventura não tem pressa de tentar o que Meloni já fez e que Marine Le Pen vai fazer para ganhar as eleições em 30 de junho em França e para que Bardella possa iniciar uma geringonça de Direita com Macron. Mas com Ventura tudo pode mudar da manhã para a tarde. Ele tem essa qualidade, que define em regra os políticos, mas nisso não há ninguém que lhe ganhe.

Portanto, a AD deve colocar gelo nos pulsos, acalmar algum excesso de voluntarismo em se vitimizar, tentar ganhar a batalha da moderação e o apoio dos moderados, governar o melhor que saiba e possa, não se preocupar muito com a gritaria da Esquerda e do CHEGA nem com a hostilidade dos media.

De facto, 2 anos é muito tempo e não vale a pena gastar munições em meras escaramuças inconsequentes. Melhor reservá-las para a primeira batalha séria, a das autárquicas no Outono de 2025.

E deve estar atenta à evolução do CHEGA. Hoje a Europa gera depressões à Esquerda, que ensaia voltar aos anos 30 do século passado, e à frente popular antifascista que os exalta, como se fossem velhos generais com a ilusão de combater uma guerra do passado.

Pelo contrário, a Europa agora dá vento pelas costas aos radicais de Direita, que tiveram juntos (mas é muito o que os separa, felizmente) mais eleitos do que os Socialistas e contando com alguns radicais ainda não alinhados ficaram muitos próximos da Direita moderada, integrada no PPE.

E com isto vamos às coisas verdadeiramente importantes.

A LUTA EUROPEIA: ENTRE MODERADOS E RADICAIS DE DIREITA

Alemanha, França, Polónia, Itália, Espanha, são os cinco países com mais votantes nas eleições e com mais deputados no Parlamento europeu. Em todos eles a Direita ganhou as eleições. Quando foi o PPE a ganhar, na Alemanha e na Polónia foram os radicais que ocuparam o segundo lugar, e em França os liberais ficaram em segundo lugar após os radicais. Ou seja, olhando para os primeiros e segundos classificados nesses países, estão representados 4 radicais, 3 PPE, 1 liberal (bastante à Direita), e só 2 socialistas (em Itália e Espanha).

Podemos dar todas as voltas que quisermos e fazer todas as análises que a nossa imaginação nos permita, mas o facto é que a Esquerda em geral e os socialistas em particular não estiveram neste combate decisivo e que a grande confrontação revela-se ser entre a Direita moderada e a Direita radical.

Por isso, apesar das movimentações da Esquerda radical (em toda a Europa tiveram pouco mais deputados do que Le Pen e a sobrinha tiveram em França), a única barreira ao crescimento da Direita radical é a Direita moderada.

E nesse combate será essencial saber o que fará a Esquerda moderada. A seguir à Segunda Guerra Mundial os Socialistas foram decisivos contra os radicais de Esquerda, chamavam-se então comunistas, unindo forças com a Direita moderada. Que farão agora?

Os sinais europeus são bons: os Socialistas não querem passar à oposição, não estão a dizer que o PPE e a Direita radical são farinha do mesmo saco, não favorecem o crescimento dos radicais na ilusão que acabar com a Direita moderada lhes daria o centro político sem custos.

Não se trata, pois, de linhas vermelhas, pela negativa, mas de alianças, pela positiva. A Europa vai continuar a ser governada pelos moderados, porque sim, e a Direita radical fica na oposição apenas como resultado.

Ou seja, os Socialistas europeus não dizem ao PPE que se deve organizar com a Direita radical porque entre o PPE e os outros moderados a confrontação tem de ser sem quartel e para os Socialistas europeus liderar a oposição é a missão histórica.

O STRESS TEST DA FRANÇA

Mas, apesar disso, uma das consequências das eleições de domingo foi o terramoto eleitoral francês que conduziu à decisão do Presidente Macron de dissolver a Assembleia Nacional e marcar eleições.

Tal como estão as coisas – mas pode haver evoluções este mês de Junho – é mais provável do que não que nas eleições legislativas francesas ganhe um bloco liderado pelo “Rassemblement National” (RN) de Marine Le PEn e integrando à sua direita o “Reconquête” de Eric Zemmour e Marion Maréchal (sobrinha de Marine Le Pen), outros pequenos partidos mais moderados e uma parte do partido gaullista “Les Republicains”.

Se assim for, Jordan Bardella, o líder do RN, com 28 anos, será o próximo Primeiro-Ministro e haverá um governo de coabitação no sistema semi-presidencialista vigente.

Nessa hipótese a União Europeia vai ser sujeita a um choque sistémico de consequências bastante imprevisíveis, tanto mais que Meloni também governa, reforçada pela sua vitória de há dias, um outro país do G-7, a Itália. Realmente a França e a Itália são o 2º e o 3º país da União Europeia em população e PIB.

Perante isto, acho que a melhor forma de referir a situação é que vamos viver um stress test a uma escala nunca vista, não sendo possível antecipar nada do que possa ocorrer.

Mas duas hipóteses me surgem como possíveis depois de algum caos: a evolução encetada por Meloni, se for seguida por Bardella, pode levar à caminhada deste partido de Direita radical para posições mais moderadas, o que irá mexer no sistema partidário europeu. Mas também pode ser o início da implosão da União Europeia, como a conhecemos, no sentido que a torne mais próxima de uma espécie de confederação.

Nada estará perdido, se houver um sobressalto e parte dos gaullistas se juntem aos macronistas e consigam fazer algo semelhante ao que a AD conseguiu em Março.

E, como já devem estar a adivinhar, é a altura de regressarmos a este “jardim à beira mar plantado”.

A ORIGINALIDADE NA IBÉRIA

Aqui, adoramos ser originais.

O PS (com os radicais geringôncicos reduzidos a 12% do total) não parece perceber o que se está a passar na Europa: (i) fez campanha com a música das batalhas societais, composta pelos seus radicais, (ii) apresentou a líder da Comissão numa aliada ou manipulada pela Direita radical, (iii) quer que a AD se entenda com o CHEGA para tentar governar, (iv) sonha que a direita moderada seja suplantada pela radical.

Numa palavra, os socialistas que mandam agora no PS em Portugal (e, já agora em Espanha, neste caso também com os independentistas catalães e vascos) adormecem a pensar numa aliança com os mais radicais dos radicais à Esquerda e acordam cheios de energia para o combate a favor do crescimento do CHEGA.

Pouco dados ao estudo da História, não querem entender que sempre que os moderados se viraram para os radicais do seu lado foram vítimas disso, mas quando resistiram e foram abandonados pelos moderados do lado oposto, foram os que abandonaram que perderam. A recusa de alianças de moderados destruiu a esquerda não radical em França e em Itália, a recusa da direita moderada se aliar aos radicais deu-lhes vitórias na Alemanha e na Polónia.

O que se está a passar em França, e já se passara em Itália, deveria fazer pensar a Esquerda moderada em Portugal e Espanha.

Por isso é muito simbólico o que venha a ocorrer aqui em Portugal.

Não estou a afirmar que a solução seja aplicar em Lisboa o que PS, AD e IL querem fazer em Bruxelas, embora os desafios o pudessem justificar.

O que seria minimamente adequado era que LM e PNS negociassem e também Rui Rocha, nos próximos 3 meses, um acordo de incidência parlamentar válido por um ano, e renovável se houvesse vontade, com as grandes linhas do Orçamento e do Plano, com algumas reformas essenciais e com consensos a nível da política externa, de defesa e europeia, modelados em termos idênticos aos que vão reger a Comissão Europeia.

Não acredito que o PS esteja preparado para dar esse passo. É verdade que, ao contrário de Marta Temido, PNS não acalma a ouvir a Internacional, mas seguramente que no seu podcast esse hino comunista está em maior destaque do que a Ode à Alegria, poema de Schiller que Beethoven musicou e integrou na sua 9ª Sinfonia. E isso, sem dúvida, é parte do problema.

*Esta semana não pude fazer o programa “As Causas”, pelo que apenas publico esta reflexão escrita

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