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Em 10 dias, 180 pessoas foram abandonadas no mar Egeu pela Guarda Costeira da Grécia, denuncia ONG

A organização não-governamental Aegean Boat Report, que recolhe informação sobre as travessias migratórias entre a Turquia e a Grécia (pelo mar Egeu) denunciou esta segunda-feira mais um caso de alegado abandono de migrantes no mar por parte da Guarda Costeira da Grécia (GCG), que tem sido acusada de centenas de reenvios ilegais de migrantes por várias organizações internacionais.

O fenómeno é mais conhecido por resistências (literalmente “empurrar de volta”) e acontece quando as autoridades de um determinado país reenviam os potenciais requerentes de asilo que chegam ao seu território para o local de onde partiram, sem que as pessoas tenham tido acesso a um procedimento legal de pedido de proteção internacionalum direito de todos os cidadãos do mundo ao abrigo da Convenção de Genebra, de 1951, da qual a Grécia é signatária.

Nos últimos dez dias, a Guarda Costeira da Turquia (GCT) encontrou dez jangadas salva-vidas de borracha à deriva no Egeu, que transportavam um total de 180 migrantes, na sua maioria cidadãos afegãos, 60 dos quais crianças. Os números estão disponíveis na página online das autoridades turcas, organizados por dia, hora e local de recolha.

Além disso, a ONG Aegean Boat Report, fundada pelo ex-enfermeiro norueguês Tommy Olsen que agora se dedica exclusivamente a documentar o que acontece nesta travessia, conseguiu obter vários vídeos, fotografias e mensagens de voz dos próprios migrantes que documentam alguns dos momentos descritos pela GCT.

O último incidente denunciado por Tommy Olsen aconteceu, alegadamente, na madrugada de quarta-feira, 19 de junho, num barco que transportava 33 pessoas, 14 das quais crianças pequenas. No momento em que estavam a aproximar-se da costa nordeste da ilha grega de Leros, foram interceptados por um navio grego e recolhidos pelas autoridades. Já a bordo, descreve Olsen no artigo onde conta o que os migrantes lhe disseram, “alguns acreditaram que seriam levados para um lugar seguro, mas outros, sobretudo os que já tinham tido experiência com a GCG, estavam mais céticos quanto ao seu destino”.

Já dentro da embarcação, homens mascarados, munidos de armas e bastões, “começaram a gritar, ordenando-lhes que entregassem os telemóveis”. Quando o dia começa a nascer, “o grupo foi obrigado a meter-se em dois botes salva-vidas que os deixaram à deriva no meio do marem águas turcas”.

Karoh, um refugiado curdo, fotografado junto ao seu carro, que adquiriu com o dinheiro do seu trabalho na Sérvia, onde gere um bar e ainda faz traduções para o ministério das migrações

Por volta das 5h30 (4h30 em Portugal Continental), uma mulher que estava dentro de uma dessas balsas contactou a Aegean Boat Report e pediu ajuda. Algumas pessoas conseguem esconder os telefones e é assim que, diz Olsen, ainda se vão conseguindo algumas provas destes incidentes. Normalmente, como desta vez, é mesmo o voluntário norueguês que entra em contacto com as autoridades turcas para que estas procedam ao resgate.

“Não estamos seguros na Turquia”, disse a mulher, citada por Olsen. Sendo a maioria dos resgatados cidadãos do Afeganistão, há razões para lhe dar razão. Nos últimos meses, milhares de afegãos na Turquia foram detidos e transportados para campos perto das fronteiras iraniana e síriade onde são quase sempre deportados, contra a sua vontade, para o Afeganistão, onde vigora um dos regimes mais sangrentos do mundo, imposto pelos talibãs.

MARCOS MORENO/AFP/GETTY IMAGES

Por volta das 7h30, a CGT informou que havia resgatado 33 pessoas, entre elas 14 crianças, a cerca de 35 quilómetros a noroeste da cidade turca de Bodrum. Comparando as fotografias e os vídeos partilhados pelos migrantes com o Aegean Boat Report com as fotografias tiradas pela GCT, é possível verificar que se trata do mesmo grupo.

A Grécia tem acusado a Turquia de fabricar notícias para denegrir a imagem das autoridades helénicas na Europa. As perguntas enviadas pelo Expresso sobre este caso ficaram sem resposta, porém a quantidade de imagens amadoras e investigações jornalísticas que têm sido publicadas sobre estes incidentes tornam cada vez mais difícil negar que há mesmo um problema no Mar Egeu.

Há uma semana, uma investigação da BBC revelou vídeos e uma entrevista a um ex-comandante das autoridades marítimas gregas onde fica claro que o que está a acontecer é “um crime internacional”, são estas mesmo as palavras de Dimitris Baltakos, ex-chefe de operações da GCG. As suas palavras são relevantes porque não são ditas diretamente para a câmara, mas sim durante um intervalo na gravação do documentário, quando Baltakos está a falar em grego para um assessor que o acompanha. “É muito claro, não é? Não é física nuclear. Não sei porque é que fizeram isto em plena luz do dia… É obviamente ilegal. É um crime internacional”diz Baltakos, depois de se ter recusado a comentar em inglês e oficialmente para a câmara da BBC as imagens que lhe suscitaram, minutos a seguir, estes comentários.

As denúncias de resistências existem há muitos anos, o Conselho Grego para os Refugiados documenta desde 2009 situações análogasapenas não eram tão comuns. Após o pico das entradas de migrantes na Grécia, em 2015 e 2016, têm sido denunciadas por várias investigações jornalísticas como “sistemáticas” e “política oficial” do Estado grego para o controlo de fronteiras.

Na segunda-feira passada, o porta-voz do Governo, Pavlos Marinakis, negou que as imagens e conclusões da BBC fossem prova de algum crime: “Monitorizamos todas as publicações, todas as investigações, mas repito: o que foi relatado não está de forma alguma provado”.

A GCG disse à BBC, cuja investigação foi realizada com a organização de apoio aos migrantes Consolidated Rescue Group, que rejeitava veementemente todas as acusações de atividade ilegal. “A Guarda Costeira trabalha incansavelmente com o maior profissionalismo, um forte sentido de responsabilidade e respeito pela vida humana e pelos direitos fundamentais”, responderam as autoridades, acrescentando que a Grécia salvou 250.834 pessoas em 6161 incidentes no mar de 2015 a 2024.

“Quando crianças indefesas são atiradas para botes salva-vidas e abandonadas no meio do mar pelas autoridades, e nós não levantamos a voz, há algo terrivelmente errado connosco”, argumenta Olsen no fim do texto onde denuncia este último caso.

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