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Lagarde faz a anatomia da "sua" estratégia de combate à inflação e alerta: “’Aterragem suave’ ainda não está garantida”.

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Com os dados de maio do Eurostat a confirmarem uma subida da taxa de inflação para 2,6%, o Banco Central Europeu mantém-se prudente em relação ao ciclo de alívio das taxas de juro, que não será tão rápido como o ciclo de subidas. No discurso que abriu o Fórum BCE de Política Monetária esta segunda-feira, 1 de julho, a presidente do banco central do euro, Christine Lagarde, justificou a estratégia seguida pelo BCE nos últimos anos para limitar a subida dos preços.

Alertou, ainda, que “dada a magnitude do choque da inflação, uma “aterragem suave” ainda não está garantida”, e disse que o banco central não irá hesitar em tomar mais medidas para aproximar a taxa de inflação do alvo definido, se tal for necessário.

E recorreu a uma imagem futebolística, adequada ao ter começado a sua intervenção em simultâneo com o arranque do Portugal – Eslovénia: “Não vacilaremos no nosso compromisso de trazer a inflação de volta ao nosso objetivo, para benefício de todos os europeus. Como disse o falecido jogador e treinador de futebol Sir Bobby Robson, “os primeiros 90 minutos são os mais importantes”. Da mesma maneira, não descansaremos até que o jogo esteja ganho e a inflação esteja de volta aos 2%”, terminou.

“O nosso trabalho não está concluído e temos de permanecer vigilantes”, reiterou Lagarde, que reconheceu como sendo “um desafio profundo para os decisores políticos” esta incerteza. Acrescentou que a natureza extraordinária do surto inflacionista, causado por choques únicos e profundos, ainda faz com que o BCE tenha de ser muito prudente na sua vigilância. Em suma, mantém-se o status quo dos últimos anos: “Tudo isso reforça a nossa determinação em ser dependentes de dados e tomar as nossas decisões políticas reunião por reunião.”

Isto porque, segundo a presidente, mantêm-se dúvidas em relação ao comportamento de indicadores sob particular escrutínio nos últimos anos: “Ainda estamos a enfrentar várias incertezas em relação à inflação futura, especialmente em termos de como a ligação entre lucros, salários e produtividade evoluirá e se a economia será atingida por novos choques do lado da oferta. E levará tempo para reunirmos dados suficientes para ter certeza de que os riscos de uma inflação acima do objetivo foram ultrapassados”, disse.

“Sentido de urgência” em 2022

Lagarde aproveitou para fazer uma longa justificação das ações do banco central nos últimos anos, muito criticadas dos dois lados da ciência económica. Durante o ciclo de contração, uma frente de críticos considerou o súbito e forte crescimento das taxas como desnecessariamente punitivo para as economias saídas de uma recessão pandémica. Do outro lado, os “falcões” clamavam por uma estratégia muito mais agressiva, temendo que as populações começassem a descrer na capacidade do ritmo de subida dos preços ser efetivamente controlado pelo banco.

Era nesta última preocupação que estava o foco do BCE. Era importante que as pessoas não perdessem a confiança na capacidade do banco central controlar a inflação, dado o regresso do tema ao imaginário das populações. “Os choques foram grandes o suficiente para que muitas famílias começassem a prestar mais atenção à inflação. No início de 2023, mais de 60% das respostas do nosso inquérito de expectativas de consumidores relataram que estavam a prestar mais atenção à inflação do que no passado”, elencou Lagarde.

Além disso, outro risco poderia vir de uma espiral preços-salários, em que os dois se alimentam mutuamente, com os trabalhadores a compensarem a perda de poder de compra através de aumentos salariais, e as empresas a equilibrarem este custo extra com aumentos de preços: “O impacto inflacionário dos choques correu o risco de se tornar persistentemente endógeno, principalmente devido ao processo de negociação salarial progressivo na zona euro”.

“Vimos alguns sinais de que a ancoragem das expectativas de inflação estava a tornar-se mais vulnerável” quando, “em outubro de 2022, cerca de quatro em cada dez consumidores esperavam que a inflação de médio prazo fosse igual ou superior a 5% e os previsores profissionais atribuíram uma probabilidade de 30% de a inflação ser igual ou superior a 3% dois anos depois. Portanto, a política monetária teve de enviar um forte sinal de que excessos permanentes da meta de inflação não seriam tolerados”, vincou.

“Assim, enfatizámos fortemente a nossa determinação em garantir um retorno “oportuno” ao objetivo. O nosso objetivo era transmitir o nosso compromisso em garantir que o período de alta inflação seria limitado e sinalizar um sentido de urgência”, acrescentou Lagarde.

Atenção aos dados em 2023

No início, não se sabia exatamente qual a componente mais importante na origem do surto inflacionista: se a oferta ou a procura. Os estudos disponíveis em 2022 sugeriam conclusões diferentes. Um deles indicava “que, no seu pico, os choques de oferta foram três vezes mais importantes do que os choques de procura para explicar o desvio da inflação da sua média”, ao passo que outros estudos “davam mais ênfase aos choques de procura.” O que fez com que o BCE, nas suas decisões, tivesse dado mais importância à “dimensão e persistência” dos choques, e não aos comportamentos específicos da oferta e da procura.

Daí a necessidade de comunicar o tal “sentido de urgência”, reconheceu Lagarde. Porém, “era claro desde o início que apenas comunicar o nosso compromisso em atingir o objetivo não teria sido suficiente. A análise do BCE mostra que, se não tivéssemos reagido, o risco de desancoragem teria sido superior a 30% em 2023 e 2024. É provável que até uma ação de política moderada fosse insuficiente. Por exemplo, se as taxas tivessem parado nos 2%, o risco de desancoragem ainda teria sido em torno de 24%.”

Daí a rápida curva de subida das taxas de juro: “Portanto, quando começámos a aumentar as taxas, sabíamos que estávamos longe de onde precisávamos estar. O fator mais importante foi, portanto, fechar a lacuna o mais rapidamente possível. É por isso que tivemos uma subida historicamente íngreme no início da nossa trajetória de taxas, usando incrementos de 75 e 50 pontos base para os nossos primeiros seis aumentos”.

Com o aproximar do “pico”, “o desafio passou de agir rapidamente para calibrar a trajetória com precisão. Em particular, precisávamos de definir uma trajetória de taxas que proporcionasse tanto um retorno “oportuno” aos 2% quanto o fizesse com um alto grau de confiança.” A partir daqui, qualquer decisão teria de ser “dependente de dados”, ou dependentes da análise de dados, o mantra adotado pelo BCE para justificar a sua estratégia.

Os custos da contração

Mas – e principalmente depois de recessões históricas provocadas pela pandemia da covid-19 – esta estratégia também teve os seus custos; tidos como inevitáveis mas, ainda assim, e segundo a avaliação do próprio BCE, menores, até agora, face a ciclos de contração anteriores. Para já.

Este “amortecimento do crescimento económico”, agravado com a subida das taxas de juro “enquanto a economia estagnava por cinco trimestres consecutivos”, é considerado “é inevitável quando os bancos centrais enfrentam choques que empurram a inflação e o produto em direções opostas.”

Mas, neste caso, “a inflação atingiu um pico muito mais alto do que durante os pousos suaves anteriores, mas também desacelerou mais rapidamente. O crescimento permaneceu dentro do intervalo dos episódios anteriores de pouso suave, embora próximo ao fundo desse intervalo. E o desempenho do mercado de trabalho tem sido excepcionalmente benigno”, reconheceu.

“Desta vez, os custos da desinflação foram contidos em comparação com episódios semelhantes no passado”, disse Lagarde. O que a levou a concluir que “dada a magnitude do choque da inflação, uma “aterragem suave” ainda não está garantida”.

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