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As Causas. Portugal: França traduzida em calão?

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Eça de Queirós, com o seu pessimismo por vezes depreciativo, escreveu que “Portugal é um país traduzido do francês para gírias”.

Não sei se seria tanto assim há século e meio, mas sem dúvida que então a cultura, a política, a inovação, as ideias, vinham de Paris.

Muita coisa mudou, mas a França – e, como veremos a seguir, também o Reino Unido – continua a ser muito importante para a nossa própria aprendizagem.

NÃO HÁ ESQUERDA RADICAL EM FRANÇA?

Acompanhar aqui em Portugal a campanha eleitoral em França através das televisões e meios de comunicação em geral, quando se tem acesso direto à realidade, ajuda a perceber a razão pela qual o partido de Marine Le Pen (“Encontro Nacional” ou RN) ganhou a 1ª volta das legislativas e a forma como ganhou.

O que nos foi sendo sistematicamente vendido era que a opção eleitoral se fazia entre um partido de extrema-direita, uma coligação centrista macronista (“Conjunto”) e outra de esquerda unida (“Nova Frente Popular” ou NFP).

Nalguns casos (por exemplo, um jornalista da SIC no sábado) chegou-se ao ponto de se afirmar, preto no branco, que a NFP é a “esquerda moderada”.

A realidade é outra: como expliquei factualmente há uma semana, o partido de Jean-Louis Mélenchon (“Insoumise França” – LFI) é a força principal da NFP e é inequivocamente de Esquerda radical. E Mélenchon é seguramente de extrema-esquerda: ou seja, é mais radical do que o seu partido e é o político mais detestado ou recusado pelos eleitores.

Ser esta a força principal “infetado” a NFP: a LFI é quem na coligação apresentou mais candidatos e vai eleger mais deputados, foi decisiva no programa, como por exemplo em matéria fiscal, que tornaria o BE um partido moderado…

De nada disto se falou em Portugal, mas por exemplo a NFP propõe que no imposto sobre o rendimento (o nosso IRS) a taxa máxima atual de 45% (a partir de € 177.000) se mantenha apenas para quem ganha entre € 61.752 e € 102.921 por ano) e a partir daí se criem mais 9 escalões o último dos quais de 90% para o rendimento acima de € 411.613.

A NFP também propõe o englobamento total dos rendimentos. Assim, se o pagador (melhor seria dizer “o pecador”) descontar para a segurança social (17,2%) e se fosse mantida a taxa sobre altos rendimentos (hoje 3% acima de € 250.000 e 4% acima de € 500.000), quem tenha rendimento mensal de € 34.301 (por exemplo António Costa que a partir de dezembro, mesmo não contando outros rendimentos, receberá cerca de € 38.000) pagaria 111,2% sobre o rendimento superior a € 411.613.

A isto acresce a proposta da NFP de aumentar as taxas do imposto sucessório (para filhos ou cônjuge o património acima de € 552.000 já paga 30% do valor de capital) e anuncia-se no programa que a partir de certo valor de património a taxa será 100% (em 2022 Jean-Luc Mélenchon afirmou que “além de 12 milhões, eu levo tudo“).

Dir-se-á que isto só afeta os ricos e que a esmagadora maioria dos franceses não verá os impostos aumentar. Mas o problema é outro: assim se afastam muitos profissionais (e com eles as empresas) que se vão deslocalizar para outros países.

E convém não esquecer que, em França, 75% do IRS é pago por 10% dos “casas” (lares) e que esse valor foi em 2022 de € 61 mil milhões.

Se me tivessem perguntado, eu teria proposto à NFP que lessem a fábula da “galinha dos ovos de ouro” que os ensinaria a serem menos gananciosos, até porque agora a galinha pode emigrar para Itália, para Espanha, para o Reino Unido … e até (por enquanto?) para Portugal

NO REINO UNIDO, COMO É?

Querem um exemplo? No Reino Unido os trabalhistas, esta semana, vão ter uma vitória esmagadora.

Para isso foi essencial terem afastado a sua ala radical liderada por Jeremy Corbyn. Mantendo-nos em matéria fiscal, o Economista revelava há dias que mais de 1 milhão de contribuintes estão agora no escalão mais alto (45%) e que os Trabalhistas não vão criar nenhum escalão acima disso.

Também não vão mexer no imposto sucessório, em que há isenção até £ 325.000 (ou sem limite se o herdeiro for o esposo/esposa), e a taxa é de 40% sobre a parte não isenta.

Ou seja, à Esquerda, uns ganham eleições e outros perdem. Os que ganham, de um lado do canal da Mancha, afastaram os radicais e viraram ao Centro. Os que perdem, do outro lado do canal, não o fizeram e nem ganham mesmo quando a alternativa é um partido de Direita Radical.

Falemos então do RN.

O RN É DE EXTREMA-DIREITA?

O RN foi um partido de extrema-direita com o pai da atual líder e seguramente que ainda tem quadros e votantes que o são.

Seria muito mais simples para os seus concorrentes, se isso ainda fosse verdade. Mas visto e lido em Portugal ninguém tem dúvidas que é, pois a meios de comunicação é unânime a rotulá-lo assim.

O RN é um partido de Direita Radical, em que eu nunca votaria e com quem nunca me aliaria, mas nada no seu programa ou na prática política dos seus dirigentes cimeiros propõe uma mudança revolucionária ou a recusa do sistema democrático.

Tentar “vendê-lo” como um partido nazi-fascista (como a NFP o faz), num país tão histórica e culturalmente traumatizado pelo colaboracionismo com os nacional-socialistas durante a guerra, ajuda o RN pela reação que provoca nos seus eleitores, atualmente 10 milhões.

O RN, em minha opinião, é perigoso por ser como é e não pela caricatura que dele fazem. É um partido quase tão populista como o LFI, com uma clara tendência anti-islamista que corresponde à tendência antissemita da Esquerda Radical. Vai ser também devastador para as contas públicas pelas promessas populistas que faz, sendo que as da NFP são mais elevadas e por isso ainda mais perigosas.

Para perceber alguma coisa à distância, seria boa ideia dar alguma atenção ao que os estudos de opinião revelam o eleitorado do RN, quando comparado com os eleitores da NFP (o que faço usando um estudo da IFOP/FIDUCIAL de 28 de junho):

  1. A RN é claramente liderante nos desempregados (49% vs 33%) e nos assalariados no setor privado (45% vs 27%), mas não no setor público (29% vs 42%);
  2. Tem esmagadora liderança nos operários (55% vs 23%), nos empregados (46% vs 29%), e está um pouco atrás nos quadros intermédios (35% vs 37%);
  3. vence em todos os níveis de educação, exceto nos quadros superiores (com mestrados e doutoramentos), e sobretudo domina nos que não têm estudos universitários;
  4. ganha em todos os níveis de rendimento exceto nos “menos de 900€” (39% vs 40%) e nos “mais de € 2500” (empatizar com 24%);
  5. ganha em todo o território, exceto em algumas áreas metropolitanas (por exemplo em Paris, 23% vs 34% e também em Lyon, Lille, Bordeaux, Toulouse, Nantes, Strasbourg);
  6. ganha nos homens e nas mulheres;
  7. ganha nos com mais de 35 anos e perde nos com menos idade.

Em resumo, o RN é um partido fraco nas elites e muito forte nos setores populares, fraco na Grande-Paris e em outras áreas metropolitanas e muito forte fora daí, forte sobretudo nos setores etários que mais votam.

A esse propósito estes mapas (RN a roxo, NFP a castanho, Ensemble a laranja) são claríssimos e valem mais do que mil palavras.

A Fundação Jean-Jaurès fez um estudo que revela que os sentimentos predominantes nos franceses são de “fadiga, raiva, tristeza e medo”. Provavelmente a esmagadora maioria dos votantes RN sentem isso, pelo que talvez fosse melhor tentar perceber por aí o que se passou e não lhes aplicar apenas estereótipos.

OS MODERADOS ESCOLHERAM A CATÁSTROFE?

Mas o que as eleições revelam é que se os moderados (Os republicanos – LR de centro-direita e Conjunto do centro) tivessem feito uma coligação chegariam perto do RN e se os moderados de esquerda (PS e Ecologistas) se juntassem, todos teriam uma vitória folgada com maioria absoluta.

Quem analise os meios de comunicação portugueses e a maioria dos franceses não consegue entender que a resposta ao que se enfatiza como uma tragédia cósmica não fosse optar por arriscar com energia e coragem por uma coligação de moderados, que seria exigida por tão terríveis perigos.

O que aconteceu foi o contrário, os moderados – dividindo-se – optaram pela catástrofe: à Esquerda aliando-se quase todos na NFP com os mais radicais da LFI e colocando-se sob a sua liderança; e à Direita muitos fazendo o mesmo com o RN.

Resultado: na 2ª volta o RN vai à frente em 297 circunscrições (e já elegeu 39 deputados), a NFP em 155 circunscrições (já elegeu 32), os moderados do Ensemble, LR e Socialistas fora da aliança radical apenas lideram em 109 (e já elegeram apenas 3).

Como se diz na notável capa do “Economist”, citando Yeats, “o Centro não resiste”.

Como os radicais da LFI dominam a coligação de esquerda (sobretudo em áreas metropolitanas, como Paris e a sua “Pequena Coroa”, em que provavelmente os muçulmanos fazem a diferença e mobilizaram-se muito) o resultado da cegueira dos moderados é que serão os radicais do RN a governar e os radicais do LFI a liderar a oposição. No fundo, como dizem os franceses, “gorro branco, gorro branco”.

Perante isso, a lucidez está com Edouard Philippe (talvez o único político que pode conseguir derrotar Marine Le Pen em 2027), que numa declaração de 1 minuto teve a coragem de dizer o óbvio, mas que quase ninguém disse: os moderados devem votar contra os candidatos do RN e do LFI e nunca em nenhum deles.

E quase me esquecia do Reino Unido. Aí, o sólido e moderado Keir Starmer prepara-se para ganhar, provavelmente elegendo 2/3 dos parlamentares.

Mas a isso ninguém presta atenção nos meios de comunicação. Ou continuamos como no tempo de Eça ou isto demonstra muita coisa que eu gostaria que não ocorresse.

E, já agora, não entra pelos olhos dentro que em Portugal continuamos a tentar copiar a França em calão e não a aprender com os britânicos?

O ELOGIO

A Keir Starmer, que me faz desejar ser britânico. O que ele fez no Labour deveria ser feito aqui no PS. Ele demonstrou que as eleições se ganham ao centro e que por cada radical que se afasta ganham-se alguns milhares de eleitores.

Ninguém dava nada por ele, sobretudo nos meios de comunicação que adoram o barulho e a controvérsia dos radicais e odeiam a sensatez na política.

Que nos sirva de lição, para que possamos um dia por isso ser elogiados. E, entretanto, faz-me lembrar Luís Montenegro.

LER É O MELHOR REMÉDIO

No meio das eleições francesas e no Reino Unido, um livro sobre mentirosos e impostores não será inoportuno.

Por isso sugiro “Os Mentirosos da Natureza e a Natureza dos Mentirosos” (Temas e Debates) de Lixing Sun, um chinês doutorado em Zoologia, Comportamento Animal e Ecologia nos EUA onde é professor.

E, em tempo camoniano, mais uma biografia, esta de Isabel Rio Novo (biógrafa de Agustina), “Sorte, Acaso, Tempo e Acaso” (Contraponto), que ainda não li, mas que está a ser bem cotada.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

Um jornalista do Expresso, que já aqui critiquei pela forma como se referiu às convicções cristãs de Sebastião Bugalho, veio citar 6 nomes de comentadores da área da Esquerda Radical nos meios de comunicaçãoescrevendo que “foram corridos” e objeto de uma “purgao que acha “perturbador e de tirar ou são”.

Se eu tivesse chegado de Marte e não tivesse tido tempo para analisar a distribuição dos comentadores pelo espetro ideológico, poderia pensar que os diretores dos jornais tinham voltado ao tempo da Ditadura do Estado Novo ou do Gonçalvismo comunista.

Como não cheguei de Marte e (infelizmente) não nasci ontem, apenas pergunto: Importa-se de repetir?

A LOUCURA MANSA

A DECO Proteste revela, e cito, que “mais de 15 milhões de metros cúbicos de água potável escaparam do sistema de distribuição no Algarve em 2022, o equivalente a 49% da água faturada às famílias nesse ano” e que a nível nacional se perdem 162 milhões de metros cúbicos de água já tratada, devido ao estado em que estão as condutas.

Eu sei que a Troika e a estratégia de António Costa que se seguiu reduziu muito o investimento público, mas com o PRR aparentemente (rápida busca no Google) há muito investimento em curso.

A loucura não é que a DECO nos informe do que está mal (e faz bem), mas que não inclua uma linha a dizer o que está em curso no âmbito do PRR (e faz mal).

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