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De costas para o mar, a Leirosa espera “de luto”: “foi tão rápido que a gente não sabe como acontece”

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Ao largo da praia do Samouco, no concelho da Marinha Grande, um helicóptero sobrevoa o “Virgem Dolorosa”. Em terra, algumas pessoas assistem às buscas, apontam, procuram avistar a traineira que esta madrugada naufragoua cerca de dois quilómetros da costa. Alguns familiares presentes pedem privacidade. “Como devem imaginar, não é uma altura fácil”.

Uns quilómetros à frente, na Figueira da Foz, a comunidade da Leirosa junta-se ao lado do mar, abalada pelos três pescadores que morreram no naufrágio e pelos três que continuam desaparecidos. Sentados junto ao paredão, os pescadores e as suas famílias consolam-se e esperam por mais notícias, de costas viradas para as ondas e para o areal que se perde de vista. Um pescador e familiar de um dos náufragos suspira: “O que é que quer que lhe diga? Estamos de luto”.

“A maioria [dos náufragos] é da mesma família, mas é como se fossem todos da mesma. Somos uma comunidade unida, que se apoia uns nos outros”, diz Mário Fernandes, um pescador reformado, de 62 anos. Aponta para os camaradas e para o mar, explica que quando um sofre, todos sofrem.

Vítor, familiar de um dos pescadores do “Virgem Dolorosa”, acrescenta que “aquele barco era tudo família”. “Estamos todos doentes. Não tem explicação”, afirma.

CARLOS BARROSO

A traineira “Virgem Dolorosa”, uma embarcação de 25 por seis metros, saiu do porto da Figueira da Foz para a pesca da sardinha e naufragou na madrugada desta quinta-feira, entre a praia de São Pedro de Moel e a praia da Vieira, com o alerta a ser dado às 4h33.

Estavam 17 pescadores a bordo, com idades entre os 20 e os 60 anos, incluindo dois cidadãos da Indonésia, que fazem parte do grupo de sobreviventes. Três pessoas ficaram feridas e uma encontra-se nos cuidados intensivos, podendo ser transferida para o hospital de Coimbra.

Muitos dos que sobreviveram foram salvos por quatro embarcações de pesca que se encontravam nas imediações. Numa conferência de imprensa, o comandante da capitania da Figueira da Foz admitiu que seria “uma tragédia ainda maior” se outros pescadores não estivessem no mar.

“O mar é a coisa mais falsa do mundo”

Ainda são desconhecidas as causas que levaram a que o “Virgem Dolorosa” se afundasse. A Autoridade Marítima Nacional confirmou que a ondulação “não é suficiente para a embarcação ter naufragado” e que “não estão condições oceanográficas muito adversas”.

Referiu, também, que os pescadores tinham saído apenas algumas horas antes do alerta, pelo que a tese de cansaço também não é considerada a mais provável. Um pescador, na praia da Leirosa, reitera que o barco “era novo” e que a tripulação era “muito experiente, com muitos anos no mar”. Também se fala do peso e do gasóleo, algo que foi referido pelas autoridades.

Vitor procura uma explicação, uma razão que justifique o naufrágio. O pescador conta que continua a sair para o mar, depois de também ele ter naufragado há sete anos. Estava numa das embarcações que resgatou algumas pessoas do “Virgem Dolorosa”.

“Não sabemos, não sabemos. Foi tão rápido que a gente não sabe como aconteceu”, diz em resposta às teorias sobre as causas do naufrágio. Mas Mário Fernandes, ao lado da estátua da “Peixeira” que supervisiona o grupo, é mais taciturno: “O mar é a coisa mais falsa do mundo. Se avança daquela onda para aquela, já pode ser arrastado e nunca mais volta”avisa, apontando para a ondulação forte e o vento frio de final de tarde.

Mário, que já deixou de pescar, aproveita para fazer uma crítica, recordando que quem arrisca a vida no mar, fá-lo por “tostões”. “Os empresários levam tudo e o pescador é que tem o risco. Já viu como é que está o quilo da sardinha?”, interroga. Mas o risco é inevitável e todos o reconhecem. Um outro familiar e pescador fala a um jornalista da RTP sobre o naufrágio e, com ironia, exaspera: “É o que eu gosto de fazer. Vou fazer o quê além disto?”, atira.

O Presidente da República associou-se “à dor e ao luto” dos pescadores da traineira “Virgem Dolorosa” e das famílias. E também refletiu sobre o risco que sofrem pelo país. “Esta profissão, que tanto enriquece a nossa tradição marítima, também nos recorda os riscos e desafios enfrentados por muitos dos nossos compatriotas, os quais merecem o nosso respeito e admiração. A perda das vidas destes valorosos homens é uma tragédia para todos nós”.

As buscas pelos três pescadores desaparecidos vão continuar durante a madrugada desta quinta-feira, com o navio NRP Setúbal, acompanhado pela viatura Amarok do projeto SeaWatch em terra. Os mergulhadores não conseguiram entrar no barco devido à forte ondulação que se fez sentir durante o dia na Marinha Grande. “As buscas não foram suspensas”, salientou o porta-voz da Autoridade Marítima Nacional à Lusa. Amanhã, há nova tentativa de entrada na embarcação.

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