Após duas vitórias consecutivas da Frente Nacional em França e o início da presidência húngara do Conselho da União Europeia, com o burburinho eurocético que despertaram, têm soado alarmes relativamente ao futuro da UE. Será que o pânico se justifica?
Vale a pena regressar aos resultados das últimas eleições europeias e a duas leituras complementares que convocam.
Por um lado, como foi abundantemente noticiado, verificou-se um reforço da representação dos partidos de cariz eurocético, que obtiveram resultados expressivos em França e na Alemanha – dois Estados geralmente vistos como motores da integração Europeia. Isto coloca evidentes riscos e desafios para a UE.
Por outro lado, essa expansão ficou muito aquém daquilo que havia sido anunciado. Ao contrário do que se fazia prever, o tradicional bloco pró-europeísta composto por conservadores, sociais-democratas e liberais obteve uma maioria sólida e está em posição de distribuir os cargos europeus de topo entre os seus membros.
Note-se que não se trata de um episódio sem precedentes. Também nas eleições europeias de 2014 e 2019 se vislumbrara uma tomada de assalto do Parlamento Europeu por parte de partidos anti-UE, o que acabou por não se verificar.
A que se deverá esta inesperada resiliência dos partidos pró-europeístas sempre que chega a hora da verdade?
Poderíamos apontar diversas razões, como o caráter peculiar das eleições europeias, que são por vezes consideradas uma espécie de segunda derivada dos ciclos políticos nacionais, ou as dificuldades em realizar sondagens credíveis que articulem os resultados eleitorais dos 27 Estados-membros. São, sem dúvida, aspetos importantes que podem justificar surpresas.
Porém, creio que a resposta passará também pelas ambiguidades inerentes ao discurso eurocético e à sua base de apoio. Há, evidentemente, quem seja inteiramente contra o projeto de integração Europeia e a erosão da soberania que ele traz consigo. Mas muitos dos que se consideram céticos em relação ao futuro da União não são anti-UE por convicção. Estão desconfiados, desiludidos, ou assustados, mas não votariam a favor da dissolução da UE.
Em vésperas das eleições de 2019, dois estudos conduzidos em paralelo davam testemunho desta realidade. Um, conduzido pelo Council on Foreign Relations, revelou que mais de metade dos cidadãos europeus acreditava que a União iria acabar num prazo de dez a 20 anos. Todavia, um outro estudo efetuado praticamente ao mesmo tempo pelo Eurobarómetro registava níveis recorde de apoio à UE, com apenas 14% dos cidadãos europeus a afirmarem que votariam a favor da saída do seu país da União.
Por outras palavras, muitos daqueles que são rotulados “eurocéticos” duvidam que a integração europeia chegará a bom porto, mas consideram que se trata de um projeto louvável.
Isto poderá explicar, pelo menos em parte, as sucessivas surpresas em noites eleitorais europeias. Na verdade, os dados acima apresentados revelam que muitos cidadãos consideram que a Europa vai mal, mas não sentem um apelo a votar em partidos anti-UE.
Um novo estudo do Eurobarómetro levado a cabo pouco antes das eleições de junho veio reforçar esta leitura. Apesar de todo o ruído eurocético, 74% dos cidadãos dos Estados-membros diziam sentir-se cidadãos europeus. E mais de dois terços pediam uma maior integração em áreas críticas tais como a segurança e defesa.
Ora, isto deixa, mais uma vez, a descoberto o paradoxo do euroceticismo: apesar de a larga maioria dos cidadãos Europeus apoiar o processo de integração europeia, um grande número considera que ele caminha, de forma algo inevitável, para o fim.
A explicação para este paradoxo não será, seguramente, alheia ao teor algo catastrofista do discurso que nos rodeia e que acaba por ser interiorizado por muitos de nós.
Com efeito, o tema do “inevitável” colapso da UE é comum em vários sectores da sociedade.
Por exemplo, para diversos intelectuais de relevo, como Roger Scruton, o fim da União é um dado quase certo. O título de um Best-seller recente de Douglas Murray, traduzido para português, é, aliás, bastante revelador: A Estranha Morte da Europa.
Da mesma forma, na perspetiva de líderes políticos de vária índole, incluindo os mais europeístas, a UE encontra-se em crise permanente e poderá morrer, como afirmou recentemente o presidente francês, Emmanuel Macron.
Por sua vez, os meios de comunicação social e as redes sociais retratam muitas vezes a UE como uma organização dividida e à beira do fim. A este respeito, vale a pena referir que uma pesquisa rápida no Google relativamente à expressão “fim da união europeia” proporciona-nos mais de 60 milhões de resultados.
Esta omnipresença da narrativa eurocética no espaço público terá vindo, assim, ofuscar as preferências pró-europeias de uma maioria silenciosa.
O caminho para desmontar este paradoxo poderá passar por duas vias.
Em primeiro lugar, como tem sido várias vezes referido, as Instituições Europeias devem comunicar melhor aquilo que fazem pelos cidadãos europeus. Quem confrontar a narrativa eurocética com a obra feita em Bruxelas em áreas-chave como as alterações climáticas ou a proteção ao consumidor ficará bem menos pessimista quanto ao futuro da UE.
Em segundo lugar, a União terá de apresentar propostas mais ambiciosas noutras áreas em que não tem correspondido às expetativas e preocupações dos seus cidadãos. O crescimento económico lento, as pressões migratórias, a dependência energética e a insegurança internacional são apenas alguns dos flancos que têm deixado espaço para os eurocéticos explorarem vulnerabilidades da UE e que carecem, pois, de outro tipo de resposta.
Por tudo isto, creio que os europeístas não precisam de estar tão receosos de cada vez que os europeus vão às urnas. Se um dia a UE acabar, não terá sido por falta de apoio popular. Será, sim, porque os líderes europeus não terão dado resposta ao desejo da maioria dos cidadãos de construir mais e melhores soluções conjuntas.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico