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Cresce a trepidação no consagrado setor das artes e da cultura da França sobre a potencial vitória eleitoral da extrema direita

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A França vai às urnas no domingo para o segundo turno de uma eleição parlamentar antecipada, na qual o partido de extrema direita União Nacional (RN) parece pronto para sair vitorioso.

Com menos de 48 horas para a abertura das cabines, as pesquisas preveem que o RN está a caminho de ganhar entre 200 e 230 cadeiras na câmara baixa da Assembleia Nacional da França, com 599 cadeiras.

Isso não lhe dará maioria absoluta, mas pode fazer com que o presidente do partido, Jordan Bardella, de 28 anos, se torne primeiro-ministro com o apoio de sua líder, Marine Le Pen.

Emmanuel Macron, que convocou a eleição em resposta aos grandes ganhos da extrema direita nas eleições para o Parlamento Europeu em meados de junho, prometeu permanecer como presidente até o fim de seu mandato em maio de 2027, embora não esteja claro qual poder ele exercerá se houver um governo majoritário no RN.

A perspectiva de a RN assumir o controle político está pesando muito no setor de artes e cultura tradicionalmente esquerdista do país. A cultura é um grande motor da economia francesa; e o setor teme que uma vitória da RN resulte em cortes, bem como afete a diversidade e a liberdade de expressão.

Bardella fez pouca menção à cultura em um discurso no final de junho, expondo as prioridades de seu partido, concentrando-se, em vez disso, nas iniciativas planejadas contra a imigração e a manutenção da lei e da ordem.

No entanto, em outras entrevistas, ele falou abertamente sobre suas ambições de acabar com as redes públicas France Télévisions e Radio France, uma medida que, segundo ele, economizaria US$ 3,2 bilhões (€ 3 bilhões).

O sindicato dos produtores independentes da França (SPI) alertou em um comunicado que tal medida ameaçaria centenas de milhares de empregos.

O Spi sugeriu que, além das perdas diretas de empregos, cerca de 300.000 salários estão vinculados ao setor de radiodifusão pública, mais do que às indústrias pesqueira e farmacêutica, que, segundo ele, são responsáveis ​​por 273.000 e 100.000 empregos, respectivamente.

Ignorando as alegações de economia de dinheiro de Bardella, profissionais do setor cultural dizem que os planos da RN de vender as redes públicas são mais uma manobra para tomar o controle do discurso público.

Como pano de fundo, houve um exame minucioso do papel que veículos de comunicação de propriedade da Vivendi, como Le Journal du Dimanche (LeJDD), Europe 1 e CNews, considerada a Fox News da França, desempenharam na formação das atuais tendências políticas do país.

Tem havido muita conversa sobre se o famoso magnata conservador Vincent Bolloré, que oficialmente deixou o cargo de chefe da Vivendi em 2022, ainda está mexendo os pauzinhos nesses meios de comunicação para promover uma agenda de direita. Ele negou repetidamente qualquer tipo de interferência.

O órgão de fiscalização audiovisual francês Arcom notificou a estação de rádio Europe 1 no final de junho, repreendendo-a por falta de honestidade e pluralidade política no talk show do polêmico apresentador Cyril Hanouna.

O aviso destacou que 16 dos 29 políticos convidados entre 17 e 25 de junho eram filiados a partidos de extrema direita.

Hanouna, que tem a reputação de ridicularizar políticos centristas e de esquerda na TV e no rádio ao vivo, respondeu que convidados de todo o espectro político foram convidados para o programa, mas muitos não responderam.

Outra preocupação importante é que a RN desmantele ou reduza o escopo do esquema de emprego Intermittence du Spectacle do país.

O sistema baseado em contribuições, que garante renda regular para trabalhadores das artes e do entretenimento empregados com contratos temporários, sustenta muitas atividades nesses setores, desde a produção cinematográfica até o entretenimento ao vivo.

Também há expectativas de que o partido tente colocar simpatizantes em cargos importantes no setor ou influenciar o conselho de órgãos independentes, como a Arcom, com nomeações políticas.

Um campo de testes imediato poderia ser o Centro Nacional de Cinema (CNC) do país, que ficou sem presidente na semana passada quando Dominique Boutonnat deixou o cargo após ser considerado culpado de agressão sexual.

Em outras preocupações, há sugestões de que a obsessão do RN com o patrimônio (patrimoine) levará a uma transferência de fundos para a restauração de edifícios históricos e o renascimento de tradições folclóricas, em vez de arte e cultura contemporâneas vivas e vibrantes.

“A cultura está completamente ausente dos programas da extrema direita, mas é a primeira vítima quando eles chegam ao poder”, dizia uma carta aberta liderada pela guilda de cinema l’ARP e postou no site do jornal Le Monde em 23 de junho.

A carta reuniu 50 organizações representando o setor de artes e cultura. Até o momento, mais de 1.300 profissionais de todo o setor assinaram a carta, desde donos de livrarias de pequenas cidades até atores e diretores como Gilles Lellouche, Bertrand Bonello e Cédric Klapisch.

A declaração coletiva destacou o que aconteceu com as artes e a cultura na Hungria e na Itália, sob os primeiros-ministros de extrema direita Viktor Orbàn e Giorgia Meloni.

“A Itália e a Hungria, outrora grandes protagonistas da cultura, deram o exemplo”, dizia.

Após a vitória do partido Fidesz de Orbàn em 2010, seu governo reduziu radicalmente a mídia estatal do país, fundindo-a sob a égide da MTVA e demitindo 1.600 funcionários no processo.

Ao mesmo tempo, também assumiu o controle do conselho de mídia, que parou de renovar as licenças de estações de rádio e canais de TV independentes que não estavam alinhados com a agenda de direita de Orbàn.

A França abriu caminho em 1959 com a criação do primeiro Ministério da Cultura do mundo. Arte e cultura têm estado no centro da política governamental desde então, qualquer que seja a persuasão política do partido governante.

Nos 65 anos seguintes, surgiu um sofisticado ecossistema de subsídios e apoios que é motivo de inveja para os criativos de toda a Europa e de outros lugares.

O Ministério da Cultura da França se beneficiou de um aumento de 6% em seu orçamento em 2024, para US$ 12,9 bilhões (€ 11 bilhões), com US$ 4,7 bilhões destinados a missões culturais e de mídia, e US$ 4,3 bilhões reservados antecipadamente para o setor audiovisual público.

Por sua vez, as artes e a cultura empregam diretamente cerca de 600.000 pessoas e geram mais de US$ 100 bilhões em receitas por ano, sem contar o valor agregado à economia, que é o dobro do da indústria automobilística.

“A França sempre foi um país associado à cultura e à defesa dos direitos humanos, mas hoje está começando a se assemelhar à França de Pétain”, diz um profissional de cinema, referindo-se ao líder do regime autoritário de Vichy, que controlou o sudeste da França durante a Segunda Guerra Mundial em colaboração com a Alemanha nazista.

O RN tem suas raízes no Partido Nacional fundado por Marie Le Pen em 1972, com cofundadores incluindo o combatente de Vichy François Brigneau e Pierre Bousquet, que era membro da divisão francesa da SS.

Nesse contexto, profissionais do setor de artes e cultura estão torcendo para que o RN conquiste menos cadeiras do que o previsto e que a aliança de esquerda Nova Frente Popular e o bloco presidencial centrista Conjunto encontrem uma maneira de trabalhar juntos para moderar políticas mais extremas de direita.

Se isso não acontecer, eles temem que o círculo virtuoso que há muito tempo coloca a cultura no centro da identidade do país possa ser quebrado pela primeira vez desde 1959.

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