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"É coincidência": Governo de Albuquerque nega que abertura da pesca nas Selvagens seja moeda de troca com o Chega

As Selvagens vão deixar de estar interditas à pesca. O Governo de Miguel Albuquerque decidiu autorizar a captura de gaiado (uma espécie de atum mais pequeno), mas assegura que tal não tem a ver com as exigências do Chega para deixar passar o Orçamento Regional. “É coincidência”, disse a secretária regional da Agricultura e Pescas, Rafaela Fernandes, em conferência de imprensa esta tarde.

A pesca nas Selvagens está autorizada até Dezembro por causa de um estudo à espécie (para verificar a existência ou não toxinas) e, por isso, serão passadas licenças de pesca temporárias. Contudo, o pescado não será apenas entregue no laboratório de biologia pesqueira, mas servirá também para ser comercializado em lota pelos armadores.

A abertura do mar da maior reserva marinha do Atlântico Norte foi feita no início da semana e a secretária regional da Agricultura garante que a decisão não está relacionada com as exigências do Chega e a pressão dos pescadores e armadores do Caniçal. “É coincidência”, disse em conferência de imprensa. Antes, o presidente do governo tinha anunciado a existência deste estudo e admitiu que, no fim, se podia até reverter a proibição da pesca nas Selvagens.

Mas afinal, será possível a pesca? “A pesca nas Selvagens está proibida, o que estamos a fazer é um estudo”diz Paulo Oliveira, do Instituto de Florestas e Conservação da Natureza. O que está em causa são licenças temporárias para captura de gaiado através de artes de pesca. As embarcações que aceitarem fazer parte do estudo terão a bordo sempre um elemento do IFCN na condição de observador. Ao laboratório de biologia pesqueira terão ser entregues 300 exemplares, para análises biológicas e medições. Em princípio, em termos ideais, segundo a diretora de Pescas, Mafalda Freitas, esses 300 deverão representar 10% de todo o pescado capturado. O restante (90%) será vendido em lota e serve de compensação às embarcações pela participação neste estudo.

Gregório Cunha

Todos os envolvidos no processo insistem que a abertura da pesca é uma coincidência, numa altura em que houve pressão do Chega e quando o PSD precisa dos deputados do partido de André Ventura para fazer aprovar o orçamento de 2024, que será discutido na próxima semana na Assembleia Legislativa. Esta autorização escapa ainda às quotas impostas pela União Europeia uma vez que o gaiado é o único tunídeo que não integra as quotas. Era também a única espécie que não tinha sido monitorizada e alvo de estudo este ano e por ser uma espécie migratória também não se sabe que quantidades passam pelas Selvagens.

Todos estes factores se juntaram para que uma semana antes da discussão do orçamento Miguel Albuquerque tenha colocado em cima da mesa a possibilidade de reverter a proibição de pesca na reserva das Selvagens. Rafaela Fernandes, a secretária da Agricultura, garante que é prematuro falar nisso, Paulo Oliveira também, mas lembrou que as reservas naturais também servem para regenerar os ecossistemas e talvez se possa equacionar a questão, mas apenas daqui por três ou quatro anos, quando houver resultados destes estudos.

As Selvagens: uma história de pressões políticas

“Esta é uma decisão que assenta na necessidade de apostarmos numa área, que será uma área de regeneração, uma área de preservação, uma área de estudo e sobretudo uma área paradigmática para que outros países e outras regiões sigam o nosso exemplo”. As palavras são de Miguel Albuquerque e foram proferidas a 29 de Novembro de 2021, o dia em que a Madeira anunciou que as Selvagens eram, a partir desse momento, a maior área marinha de proteção total do Atlântico Norte. Até às 12 milhas náuticas passava a estar proibida a pesca.

O alargamento da proibição tinha começado a ser equacionado seis anos antes, em 2015, com várias missões que envolveram a National Geografic, a Fundação Oceano Azul e o governo regional da Madeira. Todos marcaram presença na cerimónia no salão nobre do edifício do governo – curiosamente, a mesma sala onde se negociou o entendimento com o Chega este ano e que levou ao fim do impasse político. .

Em 2021, a reserva total das Selvagens eram um exemplo a mostrar ao Mundo. Ali, naquele sub-arquipélago a 300 quilómetros do Funchal, tinha começado a história da proteção ambiental, foi a primeira área de território português a ser declarada como reserva natural, em 1971. O objetivo foi proteger as cagarras, mais tarde as ilhas tornaram-se uma questão de soberania e de fronteira entre Portugal e Espanha. O que obrigou a ter em permanência cinco pessoas  – dois elementos da Marinha e três vigilantes da Natureza -, um posto de correios e ligação à Internet.

Nos anos 90 o sobrevoo de aviões espanhóis obrigou o Estado português a tomar posição e através de visitas presidenciais. Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa estiveram nas ilhas. À Madeira coube a missão de preservar o ambiente – foi preciso eliminar espécies infestantes e uma praga de ratos -, mas o último relatório, apresentado em Janeiro e poucos dias antes da operação judicial que mudou a política madeirense, dizia que aquela área continuava a figurar como um dos ecossistemas em estado mais puro do Atlântico.

A proteção, que começou com as cagarras, estendeu-se ao mar. Mesmo antes de ter sido declarada área de proteção total já a pesca – mesmo a pesca recreativa – estava condicionada devido à presença de ciguatera. A toxina, comum em algas em áreas tropicais e subtropicais, foi responsável por episódios de intoxicações alimentares em pessoas após consumo de peixe pescado naquela área. Os primeiros relatos remontam a 2007, 2008 e foi interdito o consumo de espécies como o charuteiro (lírio), sobretudo os exemplares maiores, onde o risco de haver ciguatera é maior.

O regresso da pesca

As limitações à pesca nas Selvagens começaram a ser contestadas pelos armadores e pescadores do Caniçal em 2023, quando a diminuição das quotas de atum encurtaram a safra para poucas semanas. Em Dezembro, quando se ficou a saber da intenção do Governo da República de reduzir em 30 toneladas a quota de atum rabilho para a Madeira e para os Açores, os armadores ficaram preocupados sem saber como garantir trabalho para os 38 atuneiros.  O atum rabilho é o que maior valor atinge em lota e a indignação era contra o governo que prejudicava madeirenses e açorianos a favor de duas empresas de aquacultura de atum no Algarve.

Os protestos mais ruidosos fizeram-se quando André Ventura passou pela vila durante a última campanha eleitoral para as regionais. O líder do Chega ouviu, insurgiu-se contra a ideia de dar subsídios para compensar a falta de trabalho e prometeu que iria lutar para reabrir a pesca nas águas das Selvagens. Miguel Castro, que é vigilante da Natureza além de deputado e líder do Chega, negou que a pesca nas Selvagens fizesse parte do entendimento para viabilizar o programa de governo, mas a verdade é que Miguel Albuquerque continua a precisar do voto dos deputados do Chega para ter finalmente orçamento para 2024 e manter a porta das negociações aberta para negociar o orçamento de 2025 em Outubro.

A pesca poderá fazer parte destes novos entendimentos e é por isso que será feito um estudo. A ideia é apurar os impactos da reabertura da pesca – não do atum -, mas de uma outra espécie apreciada e consumida na Madeira: o gaiado. Consumido seco e como petisco, a possibilidade de captura nas Selvagens pode dar um alento numa altura em que as embarcações estão paradas, mas os pescadores querem mais do que isso, querem aquilo a que se dá o nome de peixe fino, algumas das espécies que são afetadas pela toxina ciguatera e que obriga a análise antes de ser posto à venda para consumo humano.

Nas queixas e protestos que fizeram quando André Ventura esteve no Caniçal, em Maio passado, muitos rejeitaram a tese de uma toxina. As intoxicações relatadas foram o resultado da contaminação da água devido aos pesticidas usados para matar a praga de ratos.

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