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Na Champions, o Benfica quer subir ao céu com uma passagem no inferno

É conhecido o ambiente “quentinho” nos estádios balcânicos, mas o do Estrela Vermelha, onde vai jogar nesta quinta-feira o Benfica na Liga dos Campeões (17h45, Sport TV), é definido por quem já lá foi como algo especial. Mesmo já não sendo o que era noutros tempos, o Rajko Mitić, também conhecido como Marakana, não é apenas quente, é infernal.

Tochas, fumo, petardos, hostilidade com os visitantes, confrontos fora do estádio, barulho nocturno ao pé do hotel da equipa visitante e cânticos permanentes durante o jogo. Mesmo com coisas boas e más, os adeptos do Estrela Vermelha não são um exemplo de saber receber.

Mas é mais do que o que estará à vista no Rajko Mitić. Antes de surgirem no relvado, e antes de as câmaras os apanharem, os jogadores do Benfica têm cerca de dois minutos de um tipo muito especial de inferno.

O túnel de acesso ao relvado parece um caminho até à Caça ao Lobo [Toca do lobo] de Hitler na II Guerra Mundial. Sem grandes alterações desde 1963, o túnel do Estrela Vermelha é longo, tem passagem estreita, tecto muito baixo, paredes brancas gastas, dois portões de ferro imponentes e velhos, luzes ao estilo metropolitano, paredes grafitadas com cores vermelhas e escadas a descer para um nível subterrâneo, antes de se subir novamente para o patamar do relvado. Há um ambiente algo claustrofóbico oferecido aos jogadores, com o som dos adeptos da casa a ecoar enquanto fazem cerca dois minutos de percurso. Quem já lá esteve em dia de jogo diz que as paredes do túnel tremem, porque os adeptos estão sentados por cima do tecto túnel.

“É a mais hostil, intensa e intimidante experiência no futebol. Nunca vi adeptos como aqueles. Esse estádio foi o inferno na Terra”, chegou a dizer Arrigo Sacchi ao Os temposem 2022 – e Sacchi tem autoridade para falar do tema.

Parafraseando o lendário treinador italiano, naquele estádio trata-se de uma vitória de carácter e não apenas de preceitos técnicos e tácticos.


Santa Clara foi melhoria?

E é neste sentido que o Benfica vai passar pelo inferno para tentar chegar ao céu. É que a equipa de Bruno Lage está, a nível técnico e táctico, em pleno caminho para o céu, tal foi o bálsamo de confiança que houve no pós-Santa Clara, com triunfo por 4-1.

A equipa não massacrou os açorianos, teve o jogo resolvido sem fazer muito por isso e só na parte final, com o jogo feito, dilatou o número de oportunidades de golo.

Mas, por outro lado, demonstrou uma dinâmica assinalável e teve Kokçu, Rollheiser e Akturkoglu a sugerirem que são reforços – mesmo que dois deles já lá estivessem. Em geral, foi uma partida bem conseguida, sobretudo se a comparação for o Benfica de Schmidt e há boas razões para confiança.

Nessa medida, a ida a Belgrado pode servir de razão a quem já colocou o Benfica perto do céu ou dá-la a quem ainda não foi tão longe nessa avaliação.

E o que disse Bruno Lage na antevisão do jogo? Disse muita coisa, mas pouco de útil em matéria prática. Foi questionado sobre se vê mais Aursnes como médio ou extremo e não respondeu. Foi questionado sobre que tipo de meio-campo poderia ter e não respondeu. Foi questionado sobre se vai rodar mais a equipa do que na primeira passagem no clube e não desenvolveu. Foi questionado sobre o ambiente, mas disse apenas que o que interessa é que os do Benfica se façam ouvir. Sobre o adversário apenas constatou que joga com quatro defesas e não com três. E sobre outros temas também pouco detalhou a nível de futebol.

“Estamos focados em trabalhar. O nosso foco tem de ser esse”. Lage fez pelo menos umas sete ou oito variantes destas duas frases e foi sobretudo disso que se fez a conferência de imprensa, com respostas curtas e geralmente vazias. Nesse sentido, não há muito a acrescentar neste texto, a não ser que o técnico acha que a equipa teve tempo para recuperar, com quatro dias entre jogos. É este o sumo: sem querer, acabou por deixar no ar que não vai mudar nada no “onze”.

O que vale o Estrela Vermelha?

A amostra europeia do Estrela Vermelha ainda é curta, mas sugere, pelo menos, um perfil algo modesto.

Não Pague frente ao Bodo, da Noruega, os sérvios não defrontaram um colosso, mas mesmo assim cederam mais de 60% da bola no primeiro jogo e quase 60 no segundo. Em ambos os jogos houve uma predominância clara das bolas longas e das posses curtas – recuperação de bola e jogo directo. Também nos dois jogos foi um ponto comum a tremenda prevalência nos duelos aéreos, algo em que o Benfica não tem uma virtude.

Um detalhe interessante da segunda mão é que a equipa sérvia não precisou de muita bola nem muita presença no último terço do campo para somar um número bastante elevado de remates.

Isso poderá ser especialmente preocupante para o Benfica, já que uma equipa de remate fácil e processos simples, com bola directa na zona atrás da primeira linha de pressão, poderá ter terreno fértil frente a um adversário como os “encarnados”, que revelou uma transição defensiva sofrível frente ao Santa Clara, com muito espaço oferecido após a perda – e Lage não teve assim tanto tempo para trabalhar nisso.

Uma forma de estancar isso é garantir que o momento da pressão alta é mais eficaz, algo que sugere o regresso ao “onze” de Aursnes, um jogador forte no “tampão” à saída adversária. Mas o norueguês vem de lesão, fez trabalho de ginásio no último treino em Lisboa e não é crível que seja lançado já.

Aí entra também o espectro emocional. Se os adeptos e a imprensa surfaram tanto a onda do duelo frente ao Santa Clara, não fará muito sentido Lage esvaziar essa confiança com mudanças no “onze”.

Com ou sem Aursnes, qualquer “onze” lançado por Lage tem uma superioridade demasiado evidente em relação ao Estrela Vermelha. E qualquer resultado que não seja a vitória saberá a pouco – com ou sem inferno em Belgrado.

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