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Para salvar o Mediterrâneo temos de comer mais peixe-leão

O prato que nos apresentam parece peixe e batata fritacom um exterior estaladiço e um interior húmido e suculento. A textura do peixe é firme q.b. e o sabor não é muito intenso. Estamos a comer uma receita feita com peixe-leão, espécie predadora que, vinda do mar Vermelho, invadiu o Mediterrâneo e está a destruir os ecossistemas, alimentando-se dos peixes que viviam nestas águas.

A situação agravou-se nas últimas duas décadas, diz o turco Zafer Kizilkaya, presidente e fundador da Mediterraean Conservation Society (criada em 2012) enquanto, ao nosso lado, na esplanada do hotel Maçakizi, na península de Bodrum, Turquia, os chefes de cozinha preparam diferentes receitas para mostrar que o peixe-leão é, não apenas comestível, como pode ser muito saboroso. Kizilkaya foi convidado para, durante o festival MedBodrum, que decorreu entre 9 e 13 de Maio, alertar para a urgência de se tomarem medidas que protejam o Mediterrâneo.

“O problema começou com a abertura do Canal do Suez [ligando o Egipto ao Mediterrâneo]em 1969, e com a construção da barragem do Assuão, em 197o. Agora, esta e outras espécies invasoras estão por todo o lado. Por isso tentamos promover o seu consumo”, explica Kizilkaya. Graças a este trabalho, um peixe que os pescadores apanhavam nas redes, mas deitavam fora porque não tinha valor comercial, começa a ser cada vez mais procurado por chefes de cozinha e restaurantes. “No ano passado comercializámos mais de dez toneladas, comprando aos pequenos pescadores e vendendo aos restaurantes.”

Segundo dados recolhidos através do programa de monitorização da Mediterranean Conservation Society, “em 2023, mais de 30% da biomassa de peixe nestas águas era composta por espécies invasivas que comem os juvenis das espécies locais, e os pescadores dizem que estes peixes constituem mais de 60% daquilo que eles apanham”.

Mas os problemas do Mediterrâneo vão muito para além das espécies invasoras vindas do mar Vermelho. “95% dos ações de peixe do Mediterrâneo já colapsaram”, alerta Kizilkaya. “A única solução são as áreas marinhas protegidas”, defende, mas neste momento elas representam apenas 10% da área total do Mediterrâneo – neste mar, que ocupa menos de 1% da superfície oceânica do planeta, vivem 18% das espécies marinhas, tornando-o um dos 25 locais identificados como pontos de acesso de biodiversidade.

As áreas protegidas, nas quais é proibido pescar, funcionam como as poupanças no banco – “se não mexerem nelas, vão dar juros”, garante o ambientalista. Considera que 30% do Mediterrâneo deveria ser já área protegida, e, desses, 10% serem de protecção total, mas estamos ainda longe desses números.

À nossa frente, enquanto conversamos e provamos as receitas feitas com peixe-leão, estende-se o azul intenso do Egeu, mar interior da bacia do Mediterrâneo. Kizilkaya avança com mais um número: “45% da aquacultura da União Europeia é feita nesta baía. Se vierem aqui no Verão, a água fica verde por causa da poluição. E, no entanto, falámos com responsáveis de 33 restaurantes em Bodrum e eles dizem que só 8% do peixe que vende é desta região, o resto é importado da Líbia, Senegal, Mauritânia. Aqui, o número de pescadores está a diminuir e as pessoas estão a voltar-se todas para o turismo.”

Outro problema são “as centenas e centenas de super-iates que vêm para aqui no Verão” e, a somar a isso, o drama das redes de pesca abandonadas ou perdidas “que estão a matar os nossos habitats”. Trata-se de redes que não se decompõem na natureza e que continuam a pescar de forma passiva, contribuindo ainda mais para o colapso daquela que era a riquíssima vida marinha do Mediterrâneo.

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