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Os boletins municipais de propaganda

Um município, usando o dinheiro dos munícipes, elaborou mais um boletim municipal de que é director o respectivo presidente da câmara, contendo 72 páginas em formato A4, pleno de cores, com uma edição de 50.000 (cinquenta mil) exemplares e distribuição gratuita.

É fácil imaginar o conteúdo desse boletim. O município em causa é paradisíaco. São obras, são festas, são eventos desportivos e culturais, são êxitos, são prémios. É um município criativo e feliz.

Problemas? Nem pensar. Reservar algum espaço para a oposição acompanhar a felicidade que existe no município? Mas que ideia tão despropositada!

E, porque nesse município, como em todos os outros, os problemas são muitos e sérios, devem os munícipes ficar em silêncio?

Devem, se considerarem que é normal em democracia que aqueles que exercem o poder façam propaganda com dinheiros públicos. Pelo contrário, devem agir e combater tais boletins, se prezarem a democracia e entenderem que os titulares do exercício do poder não podem utilizar o dinheiro que não lhes pertence para se elogiarem, certamente já a pensar em próximas eleições.

Importa ter presente a este propósito que, nos termos da lei, os boletins municipais destinam-se a publicar as deliberações dos órgãos do município, bem como as decisões dos respectivos titulares destinadas a ter eficácia externa (ver artigo 56.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro). São bons exemplos do cumprimento da lei os boletins municipais de Lisboa e o do Porto. Haverá certamente outros, mas não os conheço. Boletins que fazem pura propaganda do município são ilegais, por se desviarem da sua finalidade. Merecem censura, desde logo por parte da Inspecção-Geral de Finanças (IGF), como entidade de tutela dos municípios. Pedimos à IGF informação sobre este assunto, mas esta ainda não teve tempo para dar uma resposta.

Acresce que boletins como o referido são expressamente proibidos em França, cuja lei das autarquias locais obriga os municípios com mais de 1000 habitantes, bem como os departamentos e as regiões administrativas, a reservarem espaço para os eleitos locais da oposição exprimirem os seus pontos de vista. Em França, este direito dos eleitos da oposição abrange a própria página oficial (site) dos municípios, quando ela contém informação sobre as realizações que ocorreram (artigo L.2121-27-1 do Código Geral das Autarquias Locais) e os tribunais têm sido chamados frequentemente a pronunciar-se por queixas do não cumprimento desta norma, condenando os municípios infractores.

Em Portugal, não temos, e deveríamos ter, uma norma semelhante, mas será difícil que tal suceda. PS e PSD, que dominam a quase totalidade dos municípios, gostariam dela sempre que estivessem na oposição, mas já não a apreciariam quando fosse a sua vez de estar no governo do município. Uma tal norma mancharia a beleza dos boletins e retiraria o gosto de os publicar.

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