No início de 2003, Morgan Spurlock tinha um passado relativamente anónimo como assistente de produção e como criador de um pequeno reality show da MTV. Entre Fevereiro e Março desse ano, porém, resolveu passar um mês inteiro a alimentar-se apenas com comida da cadeia de comida rápida McDonald’s e fazer menos exercício. E filmar o resultado. A operação deu origem a Super me dimensione – 30 Dias de Fast Food (2004), documentário que foi nomeado para um Óscar em 2005.
De um dia para o outro, Spurlock transformou-se numa estrela. E causou mudanças na própria estratégia comercial da McDonald’s, que deixou de ter a opção “tamanho grande” (“tamanho extra”) a que o título aludia. Quase duas décadas depois, o realizador norte-americano, que tinha cancro, morreu esta quinta-feira, aos 53 anos.
A notícia foi confirmada pela família a várias publicações, que citam o produtor e argumentista Craig Spurlock, irmão e colaborador de Morgan. “O Morgan deu imenso através da sua arte, das suas ideias e da sua generosidade. Hoje o mundo perdeu um verdadeiro génio criativo e um homem especial”, pode ler-se no obituário da revista Variedade.
Super Tamanho Me — 30 Dias de Fast Food foi um filme polémico. Apontaram-lhe, por exemplo, a omissão de que Spurlock consumia muito álcool na altura, algo que só revelou anos mais tarde e que poderia ser a verdadeira causa de algumas das maleitas de que sofre no filme e pelas quais responsabiliza a McDonald’s. Mas o documentário deu-lhe mesmo assim uma carreira sólida como realizador e protagonista em frente às câmaras, com uma abordagem sempre humorística aos temas em questão.
Spurlock nasceu em 1970, em Parkesburg, West Virginia, no seio de uma família metodista. Estudou cinema em Nova Iorque, tendo trabalhado em produções nessa cidade como Léon, o Profissionalde Luc Besson, ou Balas na Broadwayde Woody Allen. Depois de Super Tamanho Meassinou filmes como Onde no mundo está Osama bin Carregado?em que simultaneamente procura o líder da Al-Qaeda e lida com a gravidez da sua então esposa; POM Wonderful Presents: o melhor filme já vendidoem que procura publicidade para fazer o próprio filme; Episódio IV da Comic-Con: A esperança de um fãsobre a Comic-Con, a famosa convenção de cultura pop de San Diego; Homemsobre a cultura de beleza masculina; e ainda Uma direção esses somos nóssobre a banda masculina britânica homónima.
Foi ainda produtor executivo de inúmeros outros documentários, quer em televisão quer no cinema. Para o pequeno ecrã fez, por exemplo, 30 dias (FX), A Nova Britânia de Morgan Spurlock (Céu) e Morgan Spurlock dentro do homem (CNN), tendo realizado ainda um especial para assinalar os 20 anos da estreia de Os Simpsons.
Em 2017, Spurlock voltou ao tema que lhe deu fama e assinou uma sequela de Super Tamanho Meilustrando o que tinha mudado no campo da comida rápida. O filme acabou porém por ter de esperar dois anos para ser lançado. É que nesse ano, no auge do movimento #MeToo, Spurlock contou no seu blogue que fazia “parte do problema”. Confessava um historial de má conduta sexual e de traições constantes a ex-namoradas e ex-mulheres, contava ter pagado para chegar a acordo em casos de assédio sexual e ainda ter sido acusado de violência sexual quando estava na faculdade. Demitiu-se da Warrior Poets, a produtora que tinha fundado em 2004, e não fez mais nenhum filme depois.