“Sempre soubemos que o desfecho poderia ser este”, lê-se no editorial publicado esta quinta-feira, 28 de Março, no jornal independente Setenta e Quatrocriado em plena pandemia COVID-19a 13 de Julho de 2021. E foi mesmo: no site apoiado por quase duas mil pessoas vai deixar de se poder ler novos conteúdos como ensaios, reportagens, investigações, entrevistas e crónicas que caracterizavam o jornal, que se fica “por aqui”. O motivo é só um, e é “exclusivamente financeiro”.

Foi o Setenta e Quatrofinanciado por doações individuais, bolsas de investigação e publicidade, que investigou terapias de conversão sexual ou a influência da extrema-direita nas forças de segurança. É por isso que, no estatuto editorial, se exprime a vontade de “evitar lógicas e discursos autoritários que coloquem em causa direitos fundamentais”. Ainda que apoiado por financiamento coletivo dos leitores nos “vários meses que o projecto se confrontava com dificuldades financeiras”, nunca procurou o modelo de assinaturas e artigos exclusivos.

Em 2021, o jornal ganhou mais exposição ao publicar, em parceria com a SIC, a investigação “Testa de Ferro”que expunha a relação do ex-presidente do Sport Lisboa e Benfica, Luís Filipe Vieira, com o Banco Espírito Santo (BES) e levou os jornalistas do Setenta e Quatro a percorrer Portugal e viajar até ao Brasil para desencobrir os negócios corruptos. Foram publicadas dez reportagens que resultaram de uma análise, num mês e com apenas dois jornalistas e duas estagiárias ao serviço, de 30 mil ficheiros.


<_o3a_p>Apesar de ser o fim, os jornalistas não se despedem sem deixar uma nota: “Está na hora de tirarmos a cabeça da areia, está na hora de debatermos finalmente o financiamento público do jornalismo”. Alertam para o que pode acontecer com outros projectos jornalísticos se não existir “intervenção do Estado na economia”. “É o deserto, e mais redacções se confrontarão com o seu fim”, lamenta o editorial assinado pelos jovens jornalistas Ana Adriano Mota, Ana Patrícia Silva, João Biscaia e Ricardo Cabral Fernandes.

No ano em que os jornalistas fizeram uma greve geral, o Setenta e Quatro foi outra “vítima” da “crise do jornalismo”, escrevem. Tinha uma dimensão pequena, com uma equipa fixa de quatro jornalistas a contar com o fundador e director, Ricardo Cabral Fernandes (que passou antes disso pelos jornais PÚBLICO, eu e SOL). Contava também com a participação de jornalistas freelancersum web designer e cronistas.

Publicou nove investigações, “em média uma a cada três meses”, escreve-se no editorial, e pautava-se pelos artigos longos e uma selecção temática que alertava para o antifascismo, que é também realçado na despedida: “um projecto jornalístico destes é necessário para a saúde da democracia​” número ano em que entram “50 deputados de extrema-direita no parlamento”​.

O Setenta e Quatro disponibilizava de forma gratuita os seus conteúdos, por acreditar que a ” informação é um direito”. Por isso, os quase dois mil leitores que apoiavam o jornal com 100, 50, 30 ou 20 euros (no caso dos estudantes) por ano, dependendo do pacote por que se optava, faziam-no essencialmente por solidariedade para com o projecto, que este ano contava com um orçamento de 140 mil euros que não conseguiu sustentar. Ainda assim, havia algumas vantagens em ser subscritor: descontos nas edições impressas, que também existiam, descontos em iniciativas do jornal e acesso antecipado a conteúdos.​

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