Os tripulantes de navios de resgate de migrantes das organizações Médicos Sem Fronteiras, Save the Children e Jugend Rettet, acusados há sete anos pelas autoridades italianas de conluio com traficantes de seres humanos no Mediterrâneo, foram hoje absolvidos.

A absolvição foi divulgada pela Médicos Sem Fronteiras (MSF) num comunicado.

Os tripulantes estavam acusados de ajudar e encorajar a migração ilegal, enquanto as organizações não-governamentais (ONG) humanitárias para as quais trabalhavam eram acusadas pelo Ministério Público de Trapani (Sicília) de terem feito acordos com traficantes de seres humanos.

Segundo a acusação, as organizações não prestavam de facto ajuda aos refugiados, mas serviam de “táxis” aos migrantes, transferindo-os de navios líbios para navios de resgate e permitindo aos traficantes regressar sem serem perturbados.

“Ao fim de sete anos de acusações falaciosas, declarações difamatórias e de uma flagrante campanha de criminalização contra as organizações que realizam operações de buscas e salvamento no mar, o juiz encarregue do processo afirmou, com toda a clareza, que salvar vidas não é um crime. É, sim, um imperativo moral e uma obrigação legal, fundamental para a nossa humanidade partilhada”, afirmou a MSF, no comunicado.

Garantindo que “vai continuar a salvar vidas no mar”, a MSF defendeu, no entanto, que ainda não é altura para celebrar, já que “as mortes no Mediterrâneo estão a aumentar”, e os ataques aos navios humanitários continuam a acontecer.

“A verdade foi reconhecida”, reagiu também a ONG Save the Children.

O caso teve início em 2017, quando um antigo agente da polícia que trabalhava como segurança no navio ‘Vos Hestia’, da ONG Save the Children, relatou rumores de que as organizações humanitárias estavam a trabalhar com traficantes de seres humanos.

A polícia colocou um agente infiltrado no navio de resgate humanitário e escutas nos telefones de trabalhadores das ONG, de advogados e de jornalistas.

O caso ganhou maior dimensão já que o Governo italiano da altura estava preocupado com o aumento acentuado, desde 2016, do número de migrantes que chegavam à costa italiana.

Cerca de 181 mil migrantes desembarcaram em Itália nesse ano, parte de uma vaga migratória mais ampla que levou mais de dois milhões de requerentes de asilo a entrarem no espaço da União Europeia (UE), muitos deles provenientes da Síria e do Afeganistão.

Edi Rama, Giorgia Meloni e Rishi Sunak

RICCARDO ANTIMIANI/Lusa

O processo judicial foi iniciado em 2021 contra 21 pessoas do navios ‘Iuventa’, da Jugend Rettet, ‘Vos Hestia’, da Save The Children, e ‘Vos Prudence’ da MSF, tendo sido decidido, em 2023, dividi-lo em vários processos separados.

Em fevereiro deste ano, “o Ministério Público que abriu a investigação reconheceu que as provas mostravam que as ONG trabalhavam com a única intenção de salvar vidas e pediu que o caso não continuasse a julgamento”, referiu a MSF, adiantando que, hoje, “o juiz encerrou definitivamente o caso, alegando a falta de fundamento das acusações e apagando qualquer suspeita de colaboração com traficantes”.

Várias organizações humanitárias criticam, há anos, a Itália pela “criminalização” dos ativistas que socorrem os migrantes no Mar Mediterrâneo, tendo as acusações sido reforçadas com a tomada de posse do Governo de coligação de direita e extrema-direita liderado pela primeira-ministra Giorgia Meloni.

Alegando uma nova crise migratória, Roma limitou a atividade dos navios a um único resgate marítimo de cada vez, forçando-os a atracar num porto designado, muitas vezes distante para reduzir o número de salvamentos no mar.

O Governo também renovou um controverso acordo entre a Itália e a Líbia, ao abrigo do qual, as autoridades italianas fornecem formação e financiamento à guarda costeira líbia, apesar de esta ser suspeita de inúmeras violações dos direitos humanos.

Roma argumenta que o acordo permite conter a saída de migrantes e lutar contra as redes de tráfico.

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