Dois dias depois da divulgação do chamado relatório Colonna, uma investigação independente sobre a neutralidade da agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos (UNRWA), o Governo alemão confirmou que vai retomar a sua cooperação com a UNRWA e o financiamento que suspendera quando Israel acusou mais de 2135 dos seus funcionários em Gaza (de um total de 13 mil) de pertencerem ao Hamas ou à Jihad Islâmica – acusações para as quais não apresentou, até agora, quaisquer provas.

Conhecidas as alegações israelitas, no final de Janeiro – precisamente quando na Faixa de Gaza o número de mortos tinha disparado e o sistema de saúde entrava em colapso, com a UNRWA a avisar que 570 mil pessoas estavam em risco de “fome catastrófica” –, os governos de 19 países doadores foram rápidos a congelar as suas contribuições, retirando milhões de dólares de financiamento à organização que, como refere o relatório coordenado pela antiga ministra dos Negócios Estrangeiros francesa Catherine Colonna, “é insubstituível e indispensável para o desenvolvimento humano e económico dos palestinianos” e é vista por muitos “como uma tábua de salvação humanitária”.

Portugal, pelo contrário, decidiu fazer na altura uma doação especial de um milhão de euros precisamente para “manifestar a sua solidariedade e confiança” no trabalho da UNRWA, explicou o então ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho.

A confirmação do recuo da Alemanha chegou esta quarta-feira, num comunicado conjunto dos ministérios dos Negócios Estrangeiros e do Desenvolvimento. A mesma decisão já tinha sido, entretanto, tomada pela Austrália, o Canadá, a Finlândia, Islândia, o Japão e a Suécia. A Alemanha era o país da União Europeia que mais participava no financiamento da UNRWA e as contribuições dos Estados Unidos em 2023 representaram quase 30% de todos os seus fundos.

“Em termos de financiamento da UNRWA, este continua suspenso”, disse na terça-feira o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, na terça-feira. “Teremos de ver progressos reais antes que isso seja alterado”. Quando anunciou o congelamento, Washington explicitou que o fazia até Março de 2025. Entre outros doadores mais importantes, o Reino Unido e os Países Baixos ainda não anunciaram o fim da suspensão.

Não só Israel “ainda não apresentou provas que sustentem” as suas acusações, não respondendo “às cartas enviadas pela UNRWA em Março e novamente em Abril, solicitando os nomes e as provas de apoio que permitiriam à UNRWA abrir uma investigação”, como não tinha, anteriormente, informado “a UNRWA de quaisquer preocupações relacionadas com qualquer funcionário”, apesar de a agência fornecer regularmente a Israel listas dos seus funcionários, lê-se no relatório entregue na segunda-feira ao secretário-geral da ONU, António Guterres.

Apesar de fazer recomendações para melhorar as garantias de neutralidade, incluindo mais formação presencial ou aumento da capacidade de supervisão interna, o relatório da diplomata francesa sublinha que “a UNRWA estabeleceu um número significativo de mecanismos e procedimentos para garantir o cumprimento dos princípios humanitários, com ênfase na neutralidade”, notando que é mais rigorosa nesse esforço do que a maioria das instituições comparáveis, incluindo outras agências da ONU e grandes organizações não-governamentais.

Nos últimos dias, têm-se repetido os apelos para que os países que tinham suspendido a ajuda a reactivem. “A situação é catastrófica. Gaza está em ruínas. A população tem falta de tudo e muitos estão a morrer à fome. A presença da UNRWA é também crucial para os esforços de outras organizações humanitárias em Gaza”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros da Noruega, Espen Barth Eide da Noruega, num comunicado. “A UNRWA é muito mais do que uma organização humanitária. Mandatada pela Assembleia Geral da ONU, é o compromisso da comunidade internacional para com os refugiados palestinianos e os seus direitos”, sublinhou.

Reagindo à apresentação do relatório, o chefe da agência, Philippe Lazzarini, aproveitou para lembrar que pelo menos 180 funcionários da UNRWA foram mortos na Faixa desde 7 de Outubro, pedindo aos membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas para que aprovem uma investigação independente sobre o “flagrante desrespeito” das “instalações da ONU, do pessoal da ONU e das operações da ONU na Faixa de Gaza”.

“O verdadeiro objectivo por trás dos ataques à UNRWA é político: privar os palestinianos do estatuto de refugiados, começando por Gaza, Jerusalém e a Cisjordânia”, acusou Lazzarini, que em Março viu Israel negar-se a dar-lhe autorização de entrada em Gaza. Segundo o responsável da ONU, “esta é a razão pela qual existem actualmente pressões para que a UNRWA deixe de estar presente em Gaza”, ao mesmo tempo que está “também sob pressão no que se refere às [operações] em Jerusalém e na Cisjordânia”.

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