O Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa recomenda aos Estados-membros que confiram às pessoas trans o direito de cumprir pena numa prisão do género com o qual se identificam. Portugal já está a seguir essa linha de orientação há dois anos.

Nas visitas que fazem a prisões da Europa, os membros do Comité deparam-se com cada vez mais pessoas trans. Notam que há debate público sobre este assunto e grande disparidade nos sistemas prisionais.

Neste momento, cada país faz como entende. Uns aceitam a auto-identificação das pessoas trans, outros baseiam-se nos documentos de identificação, outros exigem cirurgias de redesignação sexual. Poucos têm normas específicas para orientar quem está nos serviços prisionais, pelo que muitas vezes a decisão é tomada caso a caso, conforme a avaliação de risco individual.

No relatório anual, divulgado esta quinta-feira de manhã, aquele organismo dá vários conselhos aos governos e serviços prisionais dos 46 Estados-membros. Todas no sentido de garantir que as pessoas trans são “tratadas com respeito e protegidas do risco de maus-tratos”.

Desde logo, os países devem reconhecer a existência de pessoas que não se identificam com o género atribuído à nascença. Uma vez nos serviços prisionais não se lhes deve exigir pré-requisitos, como o reconhecimento legal ou as cirurgias de redesignação sexual. Se uma pessoa se identificar com um género, isso deve bastar para ser encaminhada para a prisão correspondente.

Aquele grupo de peritos independentes admite que este caminho pode ser sensível. “Num punhado de casos infelizes recentes, a atenção centrou-se na colocação de pessoas acusadas ou condenadas por crimes sexuais contra mulheres em secções prisionais femininas”, observa. Ora, os serviços estão preparados para fazer avaliações de risco. Tal como acontece com qualquer pessoa encarcerada, estas só devem ser colocadas noutros locais quando se justifica, por exemplo, por razões de segurança.

Na Europa fala-se muito do caso de uma pessoa que trans que violou uma reclusa enquanto aguardava julgamento por dois crimes de violação de duas mulheres. O mais comum, porém, são histórias de pessoas trans insultadas, assediadas, agredidas por guardas e reclusos.

O que os peritos que formam o Comité sugerem neste relatório é que, à entrada de uma pessoa trans, os serviços devem tratar logo de perceber qual é a sua preferência. E dar-lhe a possibilidade de manter a sua identidade de género confidencial.

Uma vez lá dentro, a pessoas deve vestir roupas associadas ao género com que se identifica e ser chamada pelo nome com que escolheu. Os serviços devem garantir que todo o funcionários está “treinado para compreender e atender às necessidades e aos riscos a que estão expostas no ambiente prisional”.

Em suma, o Comité insta os Estados a abordarem os riscos de discriminação das pessoas trans na prisão e a desenvolverem políticas capazes de prevenir e combater a violência e intimidação entre grades. E até oferece “orientações para garantir que as revistas corporais de pessoas transexuais não sejam consideradas degradantes pelas pessoas em causa”.

“As prisões são um microcosmo da sociedade, muitas vezes com problemas amplificados”, declara o presidente do Comité, Alan Mitchell. “As pessoas transgénero detidas podem estar numa situação de vulnerabilidade e num risco acrescido de intimidação e abuso.”

No seu entender, “é preocupante que alguns Estados continuem a negar a existência de pessoas transgénero e não prevejam disposições específicas para o seu tratamento na prisão”. “Os governos devem introduzir formas de proteger as pessoas transexuais detidas e garantir que são tratadas com dignidade e cuidado.”

Não é o caso de Portugal, que tantas vezes tem sido chamado a atenção por causa de violência perpetrada por agentes de autoridade ou insalubridade. A Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) elaborou um “Manual de Recomendações Técnicas sobre Acompanhamento de Pessoas Transgénero Privadas da Liberdade”, que entrou em vigor desde 28 de Abril de 2022.

“A decisão de afectação deve ser efectuada de forma criteriosa e centralizada, tendo como princípio fundamental o respeito pela identidade de género, sem prejuízo da sua protecção e segurança”, lê-se no no referido guia enviado às direcções das 49 cadeias. “Deve ser permitido à pessoa transgénero privada da liberdade a possibilidade de se apresentar e expressar de acordo com o género com o qual se identifica (independentemente do sexo biológico). Todos os profissionais que interajam com a pessoa transgénero privada da liberdade devem comunicar com esta, respeitando a identidade de género com a qual a mesma se identifica.”

Há regras para várias fases e actos, incluindo para o que mais protesto tinha vindo a gerar. “A revista deverá ser realizada por elemento do serviço de vigilância e segurança do mesmo género com o qual a pessoa transgénero se identifique.”

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