O presidente da Assembleia da República (AR) defendeu esta sexta-feira que a procuradora-geral da República deve explicar, no Parlamento, processos que redundaram em crises políticas e os partidos da esquerda concordam com José Pedro Aguiar-Branco sobre a necessidade de Lucília Gago dar explicações, faltando consensualizar uma posição em sede de conferência de líderes sobre em que moldes pode ser ouvida. Em contraponto, o Chega critica Aguiar-Branco por interferir na justiça.
O presidente do Parlamento considera que quando estamos perante “factos políticos” criados por investigações criminais é preciso dar explicações, numa alusão a processos como a Operação Influencer ou a investigação de corrupção de Madeira.
Uma posição que, aliás, já havia sido assumida pelo seu antecessor Augusto Santos Silva quando era ainda a segunda figura da hierarquia do Estado. Também Ferro Rodrigues, ex-presidente da AR, já havia exigido explicações à procuradora-geral.
Em declarações no Parlamento e transmitidas pela RTP3, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda Fabian Figueiredo lembrou que o “BE tinha exigido à procuradora-geral esclarecimentos desde o primeiro momento”. “Temos assistido ao desenvolvimento da Operação Influencer e às suas fragilidades”, o que gera “crescente preocupação”, assinala.
O deputado bloquista critica o “comunicado evasivo” de Lucília Gago que “levou à demissão do Governo e à dissolução da AR” para “saudar o presidente da AR por se ter juntado a esse apelo do qual o BE faz parte desde o início, que pede à procuradora-geral da República que seja clara, transparente e se disponibilize para dar explicações satisfatórias, sobretudo sobre a Operação Influencer”.
Assim, Fabian Figueiredo apela a Lucília Gago que “tome boa nota” do pedido de Aguiar-Branco “e se disponibilize para, duma vez por todas, vir à AR prestar todos os esclarecimentos sobre estes casos”.
O bloquista espera que “não seja necessário tomar outras iniciativas para que a procuradora” vá ao Parlamento, nomeadamente à primeira comissão, onde “outros procuradores, no passado já” deram explicações. É o caso, por exemplo, de Souto Moura a propósito do caso Casa Piedosa.
“Queremos acreditar que a procuradora-geral percebe os sinais” e “leve a sério o apelo”, continuou o deputado, avisando que se Lucília Gago “insistir em não esclarecer”, o BE “procurará campo mais alargado para garantir que a procuradora venha à AR”.
Na mesma linha, Jorge Pinto, deputado do Livre, defende que as “explicações são necessárias não apenas aos deputados, mas sobretudo aos portugueses”, embora saliente que, quanto às declarações de Aguiar-Branco, primeiro é preciso “perceber melhor o âmbito” desta chamada ao Parlamento.
“Vamos propor em assembleia de líderes que isto possa ser discutido” para “perceber o âmbito” da chamada de Gago ao Parlamento “e aí sim ter uma opinião final sobre a validade” desta intenção, sendo que “a questão é como, onde e quando”. Ou seja, o Livre quer “perceber melhor o que o PAR pretende com esta chamada”.
Pese embora o Livre não queira “fazer disto uma prática corrente”, Jorge Pinto defende que o “clima de suspeição já está montado, já é uma realidade” e por isso concorda com o presidente da AR.
PCP não inviabiliza audição
O deputado comunista António Filipe começou por dizer que o PCP aguarda “que possa haver alguma iniciativa” para ouvir Lucília Gago, seja por “iniciativa da própria ou por iniciativa de algum grupo parlamentar”, para depois salientar três pontos que devem estar salvaguardados e “ficar claros”.
“A procuradora-geral não responde politicamente perante a AR. A autonomia do Ministério Público (MP) é um princípio basilar do Estado de direito democrático” que “deve ser respeitado” e, em terceiro lugar, a procuradora “não pode nem deve prestar esclarecimentos sobre processos em concreto”.
“Posto isto, compreendemos que existe na opinião pública alguma perplexidade relativamente ao funcionamento do MP e relativamente à forma de comunicação do MP, pode ser útil que haja algum esclarecimento sobre essa matéria, não tanto à AR, mas ao país por intermédio da AR”, enquadrou António Filipe, adiantando que os comunistas não irão travar nenhuma iniciativa para ouvir a procuradora desde que respeitados os princípios atrás elencados. “Nesse sentido, não tomaremos nenhuma iniciativa própria, mas não inviabilizaremos nenhuma proposta nesse sentido.”
Também a líder e deputada única do PAN está de acordo que “poderá fazer todo o sentido” ouvir Lucília Gago no Parlamento e “disponível” para, em conferência de líderes parlamentares, “acompanhar a solução” que possa ser encontrada. Certo é que, para Inês Sousa Real, ouvir a procuradora no Parlamento “em nada belisca a separação de poderes”.
Opinião diferente tem André Ventura, para quem a vontade de Aguiar-Branco representa “um caminho perigosíssimo” e constitui uma “clara violação da separação de poderes”.
“Imprudência absoluta”
Também em declarações feitas no Parlamento, o presidente do Chega afirma que “o que preocupa nestas declarações é que o presidente da AR, numa clara violação da separação de poderes, diz que quando processos judiciais criam factos políticos a senhora procuradora-geral deve vir ao Parlamento prestar esclarecimentos”.
A “imprudência destas palavras é absoluta”, avalia André Ventura, considerando que tal posição “passa a ideia à justiça de que quando se mete com as pessoas erradas, são chamados à atenção no Parlamento”.
Notando “nunca” ter visto “tanta pressão para se resolver um caso”, o líder populista defende que “temos de compreender que a justiça tem o seu tempo”, caso contrário “a mensagem que estamos a passar é que os políticos se protegem uns aos outros”.
“A maior injustiça que podemos fazer ao país é haver uma justiça para políticos e outra para outros (…). Parece-me uma das maiores intromissões de sempre no poder judicial”, insistiu André Ventura, garantindo: “Se alguém quiser fazer um esclarecimento ao país estamos 100% de acordo”.
Ou seja, o Chega concorda que se a procuradora ou alguém em nome da Procuradoria-geral da República entender serem devidas explicações, o seu partido concorda que as mesmas sejam prestadas, discorda é que seja o poder político a pressionar no sentido de que haja esclarecimentos.
Depois de em vários momentos ter preferido não tomar posição sobre a necessidade, ou não, de a procuradora prestar esclarecimentos sobre processos como a Influenciador ou o caso na Madeira, para depois evoluir e culminar na convicção de que Lucília Gago devia dar explicações, o secretário-geral socialista Pedro Nuno Santos defendeu entretanto que a justiça devia, duma vez por todas, ouvir o ex-primeiro-ministro António Costa.