A presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Dulce Neto, revelou esta quinta-feira que o algoritmo em que assenta o sorteio electrónico de processos judiciais aos juízes “comete frequentemente erros crassos e inaceitáveis”.
A magistrada falava numa conferência na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, dedicada ao papel da justiça antes e depois do 25 de Abril. O evento foi organizado pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Constitucional, pelo Supremo Tribunal Administrativo e pelo Tribunal de Contas, no âmbito das iniciativas da Comissão Nacional para as Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.
Não é a primeira vez que a aleatoriedade do algoritmo que sustenta a distribuição de processos suscita dúvidas. Numa entrevista que deu em 2018, o juiz Carlos Alexandre já havia levantado dúvidas sobre a forma como a fase instrutória da Operação Marquês tinha ido parar às mãos do colega Ivo Rosa. O atrevimento custou-lhe um inquérito disciplinar entretanto arquivado.
O algoritmo usado no programa informático de sorteio dos processos entra em linha de conta com o volume de trabalho que tem em mãos cada um dos eventuais destinatários do caso no momento da nova distribuição. Por isso, os juízes com menos processos têm mais possibilidades de atribuição de um novo caso. Existe “uma aleatoriedade que pode ser maior ou menor consoante o número de processos de diferença que exista entre mais do que um juiz”, dizia o “superjuiz” na altura.
A aleatoriedade é essencial para garantir que a resolução de determinado litígio não é entregue propositadamente a um juiz mais ou menos favorável a este ou àquele réu, ou a determinado ponto de vista.
Esta quinta-feira, aquela que é a única mulher a dirigir um tribunal superior em Portugal foi mais longe, ao declarar que, quando não está mesmo inoperacional, além de cometer erros, o sistema “cria discrepâncias inadmissíveis na distribuição de processos entre os juízes”. Dulce Neto instou o novo Governo a resolver a questão: “Haja vontade política e coragem a nível orçamental no novo ciclo político que ora se inicia para prosseguir com um investimento que terá de ir muito além da aposta na transição digital, resolvendo problemas tão pequenos mas relevantes como aqueles que se verificam na distribuição electrónica dos processos”.
Para a presidente do Supremo Tribunal Administrativo, depois de anos e anos de “desatenção e prolongado desinvestimento nestes tribunais” onde o Estado é sempre réu, a melhor forma de celebrar o cinquentenário da revolução dos cravos seria inverter esta tendência. Afinal, observou, será neles que irão desaguar novos e complexos litígios, das acções climáticas às energias renováveis, passando pelo acesso à água e pela protecção de refugiados – já para não falar da fiscalidade associada a uma economia mundial e digital.