A União Europeia já não garante nem pode prometer a segurança física e económica dos europeus. Dois dos pressupostos fundamentais da União Europeia mudaram radicalmente. O que, necessariamente, implica que a Europa terá, também, de mudar.

Estamos num processo complexo, demorado, incerto e que traz muitas transformações. Mas é isso que está a acontecer, tanto em Bruxelas como nas principais capitais europeias: discussões, revisão de ideias e conceitos, reprogramação. Em Lisboa também devia estar a acontecer, mas não parece que esteja.

A segurança europeia (no sentido clássico de prevenção e redução de ameaças), garantida pela aliança com os Estados Unidos e não ameaçada por ninguém desde o fim da Guerra Fria, por um lado, e a segurança económica (a economia social de mercado), garantida por um mercado interno de mais de 400 milhões (já foram cerca de 500, no tempo do Reino Unido), e por uma economia aberta e próspera, estão postas em causa pela agressão de uma potência regional e pela competição com duas potências globais. Rússia, China, Estados Unidos América. A relação da Europa com estes três países mudou radicalmente. Com ela mudou também radicalmente o que a Europa pensa sobre si e sobre o mundo. E com essa mudança virá uma enorme transformação do que a é Europa. É tudo isto, e não menos que isto, que está em causa nos próximos tempos.

A Europa, construída em cima da memória da Segunda Guerra, garantia segurança (mesmo não sendo uma aliança defensiva) e prosperidade económica. Era um projecto com ambição e sem grandes medos. Desde 2021 que já não é assim.

A pandemia, a guerra, a competição económica e sistémica no plano internacional e as alterações climáticas em pano de fundo são as novas razões de ser da Europa. É o medo que nos move. E isso nota-se no que está a ser preparado para o futuro próximo.

Claro que o medo não é inteiramente novo. Já houve a ameaça real da Guerra Fria, o terrorismo, as crises económicas, as deslocalizações industriais, as crises migratórias. Mas nunca houve uma sensação de vulnerabilidade tão grande. É essa a novidade.

Enrico Letta apresenta esta semana, quinta-feira, o seu relatório sobre o que deve ser o futuro do mercado interno na União Europeia. Mario Draghi ainda não apresentou o seu relatório, sobre competitividade, mas já começou a dar entrevistas. E o rascunho do que serão as conclusões do Conselho Europeu desta semana já é conhecido e tem como ponto principal a Agenda Estratégica Europeia, o documento com que os Estados membros pretendem orientar as linhas gerais da próxima Comissão Europeia (que não é garantido que seja presidida por Ursula Von der Leyen, mas deixemos essa conversa para outro dia). Todos estes documentos apontam no mesmo sentido: a Europa sente-se ameaçada e procura segurança, da economia ao território. É com essa lente que se terá de ler todos estes relatórios e programas.

Se pensarmos um pouco para além da fúria e estupefacção face ao crescimento dos populismos, talvez a explicação seja mais simples. O que aqueles eleitores estão a fazer é o mesmo que a maioria: estão todos a pedir protecção face a um mundo que descobrem hostil. Claro que as respostas populistas, isolacionistas, anti-sistema não lhes darão soluções. Mas isso não significa que não seja o medo que os motiva. Tal como aos restantes. (Isto sem deixar de reconhecer que muitos são apenas o que são: racistas, intolerantes, anti-democráticos e por aí fora. Mas isso não explica tudo).

Todos estes documentos partem de uma análise dos riscos que pendem sobre a Europa, e prometem estratégias e políticas que permitam à Europa superar as ameaças. Mas é de ameaças, não de esperança, que falamos. É do medo que partimos.

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