Que terão em comum os temas da dependência dos adolescentes em relação aos telemóveis, do serviço militar obrigatório e da redução do IRS anunciada há dias pelo Governo?

Aparentemente nada aproxima esses temas. Irei tentar explicar que há muito mais em comum entre eles do que se pensará.

REDES SOCIAIS E ADOLESCENTES

Por todo o Mundo reina uma enorme preocupação sobre os efeitos da dependência dos telemóveis e redes sociais na sociabilização, na assimilação dos valores civilizacionais e até na saúde mental dos adolescentes.

Por exemplo:

  1. A percentagem de adolescentes com “estados depressivos elevados” aumentou nos EUA 150% desde 2010, após a generalização das redes sociais;
  2. Em 17 dos países mais desenvolvidos é um facto que a taxa de suicídios de mulheres jovens e adolescentes aumentou muito (50% desde 2003 entre meninas com 10 a 19 anos);
  3. Os adolescentes norte-americanos passam em média 5 horas por dia em redes sociais.

Os estudos não são totalmente conclusivos sobre se há relação de causa-efeito no sentido negativo para a saúde, se é o oposto, se ocorre sobretudo um efeito do aumento da informação disponível ou mera coincidência.

Mas a tendência dominante nos estudos (segundo o Economistade onde retirei a maior parte dos dados) é no sentido de ser muito preocupante.

Por isso, entre outros exemplos:

  1. Começam a pulular grupos de dezenas de milhares de pais no Whatsapp (por exemplo Infância sem smartphones não no Reino Unido);
  2. O Estado da Florida (EUA) baniu as redes sociais para menores de 14 anos e o governo britânico está a preparar legislação semelhante para menores de 16 anos;
  3. A UNESCO propõe a proibição de telemóveis nas escolas, o que já ocorre em vários países da OCDE.

Em Portugal, estamos mais atrasados nessa tendência, seja isso louvável ou criticável.

Realmente, se é verdade que em raras escolas já existe a proibição de telemóveis, não iria haver legislação sobre isso, pois o anterior ministro era contra essa opção (preferia, não se riam, “a promoção de hábitos saudáveis“).

Uma rápida pesquisa na internet leva-me a concluir que o debate sobre este tema (sobretudo quanto à proibição de uso de telemóveis a menores) não existe em Portugal nos meios de comunicação.

E, no entanto, estou certo de que seria do interesse da generalidade da população.

Ao menos talvez se justifique um debate sobre o interesse dos jornalistas por este tema em comparação com as coisinhas que em cada dia nos são servidas e que, aparentemente, a ver-se o êxito de tiragens e de audiências talvez sejam menos apelativas, ainda que mais confrontacionais se forem entre partidos políticos.

SERVIÇO MILITAR E JOVENS

O Almirante Gouveia e Melo lançou o tema do Serviço Militar Obrigatório (SMO) com uma entrevista à Renascença, seguida de um artigo no Expresso em 28 de março de 2024.

Ele afirmou que “reequacionar o serviço militar obrigatório poderá ser uma medida necessária”, e que o facto dos riscos de guerra na Europa se ampliarem o levou a passar a defender essa hipótese.

Ao contrário do tema dos telemóveis, este manteve-se visível através de algumas entrevistas a atuais e antigos chefes militares, de uma pergunta ao Presidente da República (é contra), e de alguns textos (por exemplo de Ricardo Reis, Luís Aguiar-Conraria e Clara Ferreira Alves, que são céticos ou mesmo contra).

Passado um mês, o tema (que durou apesar disso muito mais do que é habitual) já parece quase morto.

E, enquanto esteve vivo, foi sobretudo um conjunto de fogachos, pois não vi nenhum trabalho jornalístico sério sobre o tema no que tem de essencial:

  1. Perante os desafios prováveis, deve ou não ser dada preparação a jovens para haver (Gouveia e Melo dixito) “capacidade de mobilizarmos rapidamente a população para nos defendermos em caso de necessidade extrema“?
  2. Deve ou não ser criado um “Serviço Nacional de Cidadania”, com fortes estímulos pela opção de formação militar e ainda que de base voluntária?
  3. Deve ou não se estudar a realidade dos 16 países europeu com SMO (e os que estão a estudar a sua implementação) para se perceber melhor as vantagens e inconvenientes, a necessidade ou irrelevância?

Acredito que este tema interessa muito aos portugueses e sobre ele – como sobre o das redes sociais e telemóveis – há opiniões diversas.

Qual a razão para aparentemente não interessar aos meios de comunicação? Será que é porque estamos viciados em mudar todos os dias de tema e a nossa atenção se não conseguir concentrar mais do que um dia?

E, se assim for, será isto saudável para o escrutínio democrático, para o país e até para a nossa saúde mental?

REDUÇÃO DE IRS E ADULTOS

O tema da redução do IRS tem recebido muito mais atenção dos “meios de comunicação” do que os anteriores o que, sendo totalmente razoável, é de saudar.

O problema aqui é outro e – não sendo, em minha opinião, intencional o que falha – só é explicável por alguns erros que revelam insuficiente literacia financeira e fiscal de quem prepara as notícias.

A redução do IRS feita agora pelo Governo aplica-se sobre a que fora determinada no Orçamento para 2024, aprovado pela anterior maioria PS, que – para cobrir a proposta do PSD feita em agosto – aumentou mais de 100% (de 550 para 1.200 milhões) o que o Governo antes disso previa como redução. Como regra, este facto não é aliás realçado.

A análise sobre a redução para quem paga IRS devia realçar o que os portugueses poupam em comparação com o que pagaram em 2023. Mas isso é pouco referido e nada realçado, levando a notícias que sugerem descidas muito menores do IRS em relação aos 5 primeiros escalões (até ao rendimento bruto de € 27.146 por ano ou € 1.939 por mês) do que realmente ocorrem.

Isso é consequência de apenas se considerar nas notícias a parcela de redução que resulta adicionalmente da proposta do atual Governo, que é evidentemente pequena, por corresponder a um adicional de 0,25% no 1º escalão, 0,5% nos 2º a 4º escalão e 0,75% no 5º escalão.

Mas, no conjunto, as reduções sobre 2023 para cada escalão são de 1,5% (1º), 3,5% (2º), 4% (3º) e 3% (4º e 5º).

A proposta atual aplica a redução do IRS aos 6º, 7º e 8º escalões (que se não contemplava no Orçamento para 2024) que abrangem rendimentos anuais entre € 27.146 e €81.199 (por mês entre € 1.939 e €5.780).

Apesar disso, a redução aditada pelo atual Governo é apenas idêntica (mas não maior) no 6º escalão (3%), e é bem menor no 7º (0,5%) e no 8º (0,25%), mesmo se comparada apenas com os aumentos agora aditados ao Orçamento de 2024 nos 5 primeiros escalões.

Mas se a comparação for feita – como deve ser – incluindo o acréscimo orçamental já previsto, em todos os escalões 1º a 5º a taxa já fora reduzida. Por exemplo no 5º escalão, passara de 35% para 32,75%, ou seja, redução de 2,25% que agora passou para 3%, exatamente igual ao 6º escalão. Não vi esta análise feita, antes se afirmando e assumindo que se reduzira muito mais para os 6º a 8º escalão do que para os 1º a 5º.

A ILITERACIA FINANCEIRA E FISCAL

Mas a iliteracia financeira foi mais longe, ao se comparar valores absolutos da redução do IRS para afirmar que devido a isso a classe média foi beneficiada em relação aos mais pobres.

Como é evidente, quem ganha mais paga mais imposto e, mesmo com menor redução percentual (o que acontece nos 7º e 8º escalões), a redução em termos de montante é inevitavelmente maior.

Mas mesmo assim, quem estiver no topo do 8º escalão (na proposta do Governo a taxa passa de 45% para 44,75%) poupa menos de 50 euros por mês por essa via.

A tese – demagógica e populista – que está subjacente a este jornalismo é que quem ganha mais de €2000 por mês (limite mínimo do escalão 6) não deve ver os seus impostos reduzidos.

Isso de um ponto de vista ideológico é perfeitamente admissível, se afirmado como opção, mas é péssimo jornalismo mascarar a opção com absurdos financeiros.

Em resumo, por vezes quando se dá atenção a um tema importante falha-se mais do que quando pura e simplesmente assuntos importantes não são tratados ou isso se faz apenas pela rama.

As coisas são como são e acredito que inconscientemente se está a fazer pagar ao Governo um “preço” adicional pela sua trapalhada comunicacional que abordei há uma semana.

O lado negativo dessa pequena “vingança inconsciente” é uma dose elevada de desinformação que prejudica o normal dever de informar com rigor.

Claro que nem tudo é mau. Está finalmente a criar-se uma cultura favorável a baixar o IRS de quem ganha pouco, abandonando-se a teoria da Esquerda radical que é melhor não baixar o IRS para se poder distribuir benesses com o excesso da carga fiscal sobre todos, incluindo eles.

Em resumo, convirá começar a preparar reduções adicionais do IRS para incluir no Orçamento de 2025, como aliás agora propõem todos os partidos, até mesmo o PS.

O ELOGIO

Hoje é para os que tiveram a coragem de fazer o 25 de abril de 1974 e para os que, além disso, tiveram a coragem de no 25 de novembro de 1975 o recolocar no caminho da democracia e da liberdade contra os que queriam e tentaram criar uma nova Ditadura que – pela experiência da História – seria muito mais violenta e totalitária do que a do Estado Novo.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Há 50 anos estava a acabar a Ditadura e foram libertados os presos políticos.

Por isso hoje sugiro três livros exemplares sobre o holocausto no nacional-socialismo alemão, o sistema de prisões políticas no comunismo soviético, e a situação no Irão atual, como exemplo do que infelizmente se mantém em muitos países.

E outros três livros sugiro, centrados nas violações dos Direitos Fundamentais no Portugal pré-25 de abril e em 1975 até ao 25 de novembro (sugerindo a reedição do chamado “Relatório das Sevícias”, embora acessível na internet), além de uma obra crítica sobre as prisões portuguesas na democracia.

O meu Pai foi preso em 30 de setembro de 1949 e eu 25 anos depois em 30 de setembro de 1974, ambos apenas por motivos políticos. Talvez também por isso para mim o fim das prisões políticas seja mais importante e valioso do que para quem felizmente não passou por isso.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

A recente decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, no caso Influenciadorconfirma o que eu afirmara em 20 de fevereiro sobre a decisão de Juiz de Instrução: “não creio que exista agora uma guerra entre Juízes e MP, mas apenas o fim da cumplicidade subordinada do Juiz Carlos Alexandre aos procuradores que durou 17 anos”.

Começa, pois, a exigir-se mais esforço do MP na fase de Inquérito em relação a medidas de coação, o que vai tornar mais forte a investigação criminal, essencial também para o Estado de Direito.

Por razões que anunciara, não vou dizer nada sobre o que acho que se podia e devia fazer. Vou apenas fazer uma pergunta: será que não merecem elogios os juízes corajosos que não renegam os direitos fundamentais?

A LOUCURA MANSA

A escolha de Sebastião Bugalho terá sólidas razões, mas foi mal gerida, como é natural quando por razões de sigilo se deixa tudo para o último minuto.

Rui Moreira não é a pessoa mais despida de vaidade que conheço, e sentiu-se humilhado, por afinal ser uma espécie de Príncipe Harry se à última hora Bugalho recusasse.

Moreira tem razão para se irritar: há anos que se lhe acenara com a liderança da lista para o Parlamento Europeu e o seu curriculum e idade bem justificaria que o comentador da SIC Notícias aceitasse ser o nº 2. Mas Bugalho já é também vaidoso…

No fundo, esta opção tornou Montenegro refém do sucesso da escolha, como é natural quando se assumem riscos.

O comentador teria dito que, se a escolha não fosse Paulo Portas, a dúvida será entre “uma derrota flagrante ou uma derrota honrada”. Isso prova que a passagem do comentário para a política ativa (que eu sempre recusei, pelo menos desde 1978) não vem sem riscos.

Mas – disso tenho experiência… – os comentadores enganam-se. Resta agora a Sebastião Bugalho provar que falhara na sua previsão.

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